Jolly Club, Ontem e hoje

Por a 2 Dezembro 2022 09:53

O Jolly Club foi uma equipa de corridas e ralis italiana, que competiu no Mundial de Ralis, estando principalmente ligada a marcas como Lancia ou a Alfa Romeo. As míticas cores da Totip, deram cartas no WRC e o seu líder, Roberto Angiolini, morreu em abril passado. Vamos recordar a história da equipa e uma conversa de Martin Holmes com Angiolini já alguns anos…

Devem ser muitas centenas de milhar os adeptos de ralis e de modelismo, que têm nas prateleiras de sua casas um carro de ralis decorado com as cores da Totip, uma espécie de totobola… para corridas de cavalos. Isso não interessa nada, os carros eram lindos decorados com estas cores e no Rali de Portugal tivemos alguns anos bem interessantes, por exemplo 1985, quando Miki Biasion lutou com o seu Lancia 037 contra os poderosos Audi e Peugeot. Ou em 1993, quando o carro de Carlos Sainz tinha as cores da Repsol, enquanto Andrea Aghini desfilava pela última vez as cores da Totip em Portugal no WRC.

O começo

O Jolly Club começou a sua vida em 1957, no restaurante preferido de Mario Angiolini, em Milão. Rodeado por amigos cuja paixão comum era o desporto motorizado nas suas várias formas, criou algo que ainda hoje enche de saudades os adeptos do Mundial de Ralis nos anos 80 e 90. “Amizade, paixão, versatilidade e diversão” eram os principais objetivos dos membros fundadores, que cerca de 30 anos depois do nascimento da equipa, se aperceberam que a sua organização seria escolhida para liderar o ataque italiano no Mundial de Ralis.

Muito mais do que um clube de entusiastas que é hoje em dia, o Jolly Club era uma organização multifacetada que se abriu a atividades em muitas direções diferentes, embora a divisão profissional de ralis e corridas fosse a que mais esteve na linha da frente.

A equipa entrou em falência em 1997, até aí sempre liderada por Roberto Angiolini – filho do fundador – recentemente falecido, e cuja paixão, não só por representar a Lancia no Mundial de Ralis, era também fomentar as carreiras das futuras estrelas de topo.

Numa conversa que tivemos há alguns anos, Roberto Angiolini explicou um pouco dos antecedentes da equipa: “O nome Jolly foi retirado duma carta especial de jogo (o ‘joker’) que era capaz de fazer mais do que qualquer outra. Muitas pessoas pensam que tirámos o nome da cadeia de hotéis de alta qualidade que estão sediados em Itália, mas na verdade foi ao contrário. O homem que iniciou a cadeia de hotéis era um dos membros do Jolly Club, e ele tirou a ideia do nome de nós! Aquele homem era um amigo querido do meu pai, e correu na equipa. Na verdade, em sua honra, organizámos uma vez um evento, muito parecido com o Tour de France, incluindo corridas e rampas, chamado “Jolly Hotel Race”.

O Jolly Club tinha muitos aspetos. No desporto automóvel estiveram envolvidos em corridas e ralis, off-shore, endurance, motociclismo, e rali-raids. Existiram ainda atividades de engenharia, operações e peças para o desporto motorizado. Existiam várias divisões do Jolly Club noutros países (São Marino, Suíça, Espanha) e também várias operações sociais não ativas, e ainda várias vertentes promocionais, nomeadamente o trabalho de Sponsorship gerido pelo antigo piloto de ralis, Renzo Magnani, que operava os direitos televisivos da Fórmula 1 e dos ralis em nome da federação desportiva italiana.

Há, como se sabe, listas grandes de sucessos de competição em que aparece o nome do Jolly Club, sendo, pelo menos, duas vezes vencedor de ralis do mundial, ambos realizados em Itália. Foram ainda campeões Europeus de Ralis com Miki Biasion e Dario Cerrato, Alex Fiorio conquistou o primeiro título mundial do Grupo N.

Os primeiros tempos

A Lancia não foi a única empresa com a qual o Jolly Club esteve ligado: “Começámos com a Alfa Romeo, porque naquela época a Alfa Romeo era a única grande empresa italiana na competição. Com a ajuda deles, começámos com seis Alfa 1600 Quattrofoglio para ralis e seis para as corridas. Utilizámos muitos modelos: Giulia TI Super, GTV 1.6, depois em colaboração com a Autodelta o GT Junior, GTAm, GTV2.5 e 75 Turbo. Mais tarde, depois de nos ser apresentado o Cesare Fiorio (que era o seu diretor de publicidade), começámos a trabalhar com a Lancia, e foi aí que comecei pessoalmente a trabalhar no Jolly Club, em 1964. Por vezes trabalhávamos com empresas estrangeiras, por exemplo a Opel (através da Conrero) e a Ford (através do seu importador italiano). Na verdade eu próprio corri com um carro Conrero Giulietta”.

Às vezes os carros eram preparados nas suas oficinas, outras vezes noutros locais? “Obviamente em 1992 a Abarth preparou os nossos carros de ralis, mas muitas vezes usámos outros especialistas. Em 1960 tínhamos cinco mecânicos que tinham as suas próprias garagens, e eles partilhavam o trabalho. Isto continua, tal como no CiB iEmme: tínhamos uma empresa conjunta com eles para o trabalho da Alfa Romeo e do Maserati. Quando começámos a trabalhar com a BMW, eles tomaram conta disto, porque estava em conflito com o meu trabalho para a Alfa”.

Quando, em 1992, os carros eram geridos pela Abarth, qual era a sua responsabilidade? “Fizemos um serviço para a Lancia. Era muito difícil para a Lancia gerir mais de dois carros; eles precisavam duma organização de apoio e isto funcionou muito bem. Quando chegámos ao Rali da Acrópole, por exemplo, significava que a Lancia era a única equipa capaz de fornecer um serviço completo de apoio. Mais ninguém o conseguia fazer. Mas há outra coisa muito importante. As grandes empresas tinham de cumprir as regras estabelecidas pelos sindicatos. Estes tornavam muito difícil a participação duma grande empresa nas corridas. As horas extraordinárias eram um exemplo.

Os sindicatos não queriam que alguns trabalhadores tivessem muitas horas extraordinárias: preferiam que, em vez disso, que empregássemos mais pessoas. As pequenas empresas como nós não enfrentavam estes problemas. As únicas pessoas que empregávamos estavam totalmente envolvidas nas corridas, em vez de apenas uma pequena parte da força de trabalho total. Nós precisávamos duma pessoa disponível durante 24 horas e não de três diferentes durante oito horas cada um. Isto era um problema terrível para uma empresa como a Fiat. Não era de admirar que as empresas japonesas fizessem ‘outsourcing’ do seu trabalho na competição”.

Quando os mecânicos Jolly Club e Abarth estavam juntos, será que trabalhavam bem? “Claro que sim! Lembrem-se que nessa altura há vinte anos que trabalhávamos em estreita colaboração com a Abarth. Muitos mecânicos que nessa altura trabalhavam na Abarth vieram do Jolly Club. O seu mecânico chefe Rino Buschiazzo foi em tempos o meu mecânico chefe! Todos os dias, vários mecânicos do nosso pessoal vinham de Milão a trabalhar em Torino, na Abarth. Ninni Russo era navegador do piloto do Jolly Club, Alcide Paganelli. Giorgio Pianta conduzia para nós. Muitos dos nossos mecânicos começaram como aprendizes na Fiat para lhes dar experiência de trabalho”.

Más escolhas

Em 1992, a Abarth concentrou-se na investigação ao invés da competição ativa. Achava na altura que voltariam à competição novamente? “Penso que nessa altura havia muitas circunstâncias em mudança nos ralis e talvez não soubessem o que iriam fazer no futuro. Pense na forma como o regulamento dos automóveis de competição mudou completamente a natureza do desporto de ralis. Os automóveis do Grupo A passaram a ser monstros caros, demasiado afastados do contacto com os automóveis de produção, com desafios técnicos bastante diferentes. E pensem antes na natureza dos ralis. Monte Carlo era uma série de seis troços de montanha por dia. Nunca nos deveriam ter sido dadas quatro ou seis horas para reconstruir os carros em cada prova.

Era como se fizéssemos um carro novo para cada etapa. O primeiro dia do Rali RAC não era um verdadeiro rali. Não podíamos mudar o estilo dos ralis em 1992, mas devíamos exercer pressão para que houvesse mudanças no futuro. Para participar nos ralis naqueles tempo já era preciso pedir orçamentos anuais de 50/60 milhões de dólares, e não se podia pedir isso aos construtores. Então e os regulamentos técnicos? Tínhamos motores que podiam produzir 500 cv que tinham de ser equipados com restritores que continham a potência até 300 cv. Estávamos envolvidos em investigação eletrónica muito dispendiosa para obter a melhor vantagem. Tudo se tornou um enorme desperdício. Utilizar um litro de combustível durante quatro quilómetros apenas para o arrefecimento do motor, não para a propulsão dianteira! A fábrica não podia fazer qualquer uso lógico desse tipo de feed-back .

“Os ralis faziam-nos usar tanto esforço na turboalimentação, que era um sistema antigo na conceção de motores. Os turbos eram utilizados principalmente em Itália para reduzir impostos, mantendo artificialmente o tamanho do motor básico mais pequeno nos carros! Se tivessemos de reduzir para 250 cv, devíamos ter motores de 2 litros normalmente aspirados. Na verdade, 2.5 litros era um limite sensato para que todos os que quisessem pudessem ser ativos nos ralis. Os sistemas implantados sempre tornaram muito caro fazer um carro novo. Todas estas coisas deviam passar pela cabeça de Lancia antes de puderem decidir quando ou se iriam voltar oficialmente para os ralis. Como se sabe, não voltaram”.

1992, um ano ‘jolly’

Quando se corria com Juha Kankkunen e Didier Auriol no Mundial de Ralis em 1992, quanto dinheiro vinha dos seus próprios patrocinadores? “O orçamento do Jolly Club era maioritariamente dos patrocinadores, com apenas uma pequena contribuição financeira da fábrica. Mas a preparação e o desenvolvimento do carro era tudo da fábrica”. Suponho que se considerarmos a despesa total, então os patrocinadores não pagavam mais do que cerca de 20%”. Então, a Abarth iria continuar a desenvolver o Delta para a concorrência? “A Lancia concordou em desenvolver o novo carro até ao final de 1992. A Abarth construiu os carros e encarregou-se da evolução técnica. Nessa altura, não estava decidido se os carros seriam mantidos entre ralis em Milão, nas oficinas do Jolly Club, ou em Torino, na Abarth. A Abarth estava a tentar reduzir o número dos seus trabalhadores, mas os detalhes ainda demoraram a ser resolvidos. Obviamente, existiam diferentes tipos de mecânica. Praticamente todo o trabalho eletrónico era feito na Abarth. Tínhamos mais capacidade para a montagem dos carros. A Abarth fazia todos os testes prévios aos ralis. Os carros tinham de ser preparados em diferentes especificações: asfalto para Monte Carlo, terra maiso u menos dura para Portugal, terra dura para o Safari, e especificação reforçada de Portugal para a Acrópole. O terceiro tipo de carro de terra utilizava um chassis macio na Finlândia. Estávamos a ser fornecidos em 14 novos carros de competição para toda a temporada. Quase tudo era exactamente o mesmo, tudo o que estava a mudar era a forma como trabalhávamos nas corridas. Todos os sistemas de engenharia e testes era exatamente os mesmos do ano anterior”.

Durante quanto tempo é que esse sistema continuou? “O novo carro foi suficientemente bom por algum tempo e nessa altura ja esperava que o modelo continuasse até à época de 1993: sabia, pelo aspeto da produção, que a empresa não se sentia capaz de vender todos os 5000 exemplares de cada modelo num período de um ano e não esperava alterar o modelo para o início da época de 1993”. Quando o limite de produção fosse reduzido, a partir de 1993, para 2500 exemplares, isso significou que os automóveis de base teriam de ser construídos com níveis de especificação mais elevados? “Não. Em primeiro lugar, uma produção de 2500 exemplares significava que ainda era necessário utilizar técnicas de produção em massa, e não carros construídos à mão. Depois havia o problema de vender realmente os automóveis. Não creio que os novos regulamentos incentivassem mais empresas a entrar nos ralis, porque quanto mais elevada fosse a especificação, menos compradores estariam disponíveis. A redução dos números não deu a mais pessoas a possibilidade de venderem automóveis, porque o mercado disponível era pequeno. Outro problema é que não havia justificação, nos ralis, para se dar feedback à investigação sobre os carros de estrada. A única razão para competir nos ralis, tal como estava, era a publicidade. Pelo menos na Fórmula 1 nessa altura desenvolveram motores atmosféricos, e nos ralis ainda estávamos presos a turbo-compressores”.

Será que o fim do contrato de patrocínio com a FINA criou a mudança de direção na Abarth? “O problema com a FINA era complexo: tivemos uma boa colaboração, bom dinheiro e muito incentivo, especialmente da FINA Itália, cuja quota de mercado subiu contra todas as tendências. Creio que a FINA não queria de modo algum parar e continuaram a fornecer o nosso combustível no ano seguinte”. Penso que houve um problema político preponderante, como acontece com as empresas que estão oficialmente envolvidas na concorrência, numa altura em que o número de postos de trabalho disponíveis nas unidades de produção estava a ser reduzido”.

Jolly Club ficou na história

Nessa altura, e 1992, o Jolly Club já tinha percorrido um longo caminho desde os tempos dos restaurantes de Milão: nessa altura eram um factor importante no futuro planeamento promocional das empresas que estavam envolvidas na política das economias europeias. Será que Angiolini ainda se lembra dos velhos tempos? “Em 1991 vencemos o Rali Sanremo, oficialmente a nossa segunda vitória no campeonato do mundo. Em 1979 Tony Fassina venceu esse evento para nós com um Lancia Stratos. Na verdade, no ano seguinte também estivemos um pouco envolvidos, quando Walter Rohrl venceu lá com um Fiat 131 Abarth, mas isso foi diferente: foi o ano em que todos se juntaram para correr quando houve uma greve geral e os mecânicos oficiais foram impedidos de se envolver. Mas houve um factor em que penso sempre e que foi a forma como estávamos sempre a querer ajudar os pilotos mais jovens. Não os que estavam no início, mas os que estavam um passo à frente desse início. Estávamos muito satisfeitos por podermos oferecer ralis ao Andrea Aghini, que já tinha participado em ralis com a Peugeot. Era uma pena que empresas como a Peugeot, GM, etc. não tivessem a oportunidade de ajudar a esse nível os pilotos jovens. Não era apenas o facto desses pilotos serem menos caros, era o facto de querermos fazer parte da forma como a geração seguinte iria funcionar”. No Jolly Club, as raízes nunca eram esquecidas.

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