Histórias do Rali de Portugal, Jorge Ortigão: suspensões trocadas, tubos de travão com medidas diferentes…


Como o meu Opel 1904 tinha chegado ao fim da sua vida de corridas, iniciei o ano de 1980 sem carro para correr e com imensa pena de não poder fazer, pelo menos, o Rali de Portugal, que não falhava desde 1973!

Perante isto, o Joaquim (Kikas) Bessa, num gesto magnânimo, propôs-me fazermos o Rali de Portugal num Datsun 1200 que ele tinha, proposta que aceitei de imediato!

O que eu queria era participar, fosse em que carro fosse! Até aqui tudo normal, daqui para a frente é que mais parece um filme do meu primo Manoel de Oliveira!

O Datsun 1200 tinha sofrido um “encontro imediato” com um trator, nuns ensaios particulares do Kikas em Ofir, tendo ficado bastante mal tratado! Havia que tratar dele e de o preparar para o Rali, missão que foi confiada a um amigo do Kikas, mais pintor do que mecânico que, mais por carolice e amizade do que por dinheiro, lhe dedicou muitas horas de trabalho ao longo de noites bem compridas! Nós íamos acompanhando os trabalhos, sempre dentro do espírito ligeiro e desportivo que as circunstâncias impunham.

No dia e à hora certa lá estávamos na partida para o Rali de Portugal, com o maravilhoso Datsun 1200 preto. Pelo caminho fomos descobrindo alguns pormenores, como o facto de o carro estar mais curto de um lado do que do outro (vitória indiscutível do trator…), a total falta de travões sempre que a direção era totalmente virada para a esquerda (viemos a saber, após o Rali, que as suspensões da frente estavam trocadas e que os tubos de travão eram de medidas diferentes), ou que os amortecedores estavam soldados à carroçaria (sem dúvida a melhor maneira de não se desapertarem!).

Para que este filme não fique do tamanho dos outros do meu primo, há que abreviar a história, dizendo que, como se pode ver na nossa foto no Autódromo do Estoril, terminámos o Rali! Ficámos em 16º da classificação geral e últimos, depois de um esforço titânico para não sermos eliminados por excesso de penalização na estrada, o que conseguimos apenas por 1 minuto! E acreditem que não foi nada fácil pois a noite da etapa Póvoa-Estoril foi de muita chuva e nevoeiro ficando, nessas condições e com aquele carro, bem difícil de cumprir à média de 60 km/h nas ligações de Arganil para a Candosa e desta para a Lousã! Muitos concorrentes, bem melhor equipados e que estavam atrás de nós, foram desclassificados, deixando-nos assim no último lugar. Uma injustiça!

Foi, sem dúvida, um dos Ralis de Portugal mais difíceis entre os 16 em que participei e que, dadas as circunstâncias, nos deu um enorme prazer terminar e que recordo com imensa saudade!

No ano seguinte, estreámos o Toyota Starlet 1.3 da Salvador Caetano, o célebre Starlet amarelo! Com muita naturalidade (mas não com toda…), foi-nos atribuído o nº 90, pelo que tivemos de fazer toda a 1ª. Etapa até à Póvoa na cauda do pelotão, com o inconveniente de ter de ultrapassar 3 e 4 carros nos troços mais longos! Nesse ano, o meu navegador era o João Batista e o seu irmão, o Fernando Batista, era o “condutor oficial” do carro do César Torres e, em conversa, o Fernando comentou com o César a atribuição do número tão alto, ao que o César respondeu que, com aquele carro, um grupo 1 de 1300 cc com 75 cavalos, seguramente que não iríamos fazer nada! Realmente ele tinha alguma razão, aquele carro era mais próprio para ir às compras do que para fazer um Rali do Campeonato do Mundo! Só que a noite dessa 1ª etapa foi verdadeiramente tenebrosa, com chuva e nevoeiro constantes, o que nos foi altamente favorável e nos permitiu chegar à Póvoa já nos 25 primeiros! E aí o César Torres deu a mão à palmatória comentando com o Fernando a sua surpresa pela nossa prestação!

O Starlet era pouco potente mas indestrutível, o que nos permitiu fazer todo o Rali sempre no máximo, sem qualquer problema mecânico! Terminámos em 14º lugar entre os 24 “sobreviventes” e obtivemos a vitória na classe, resultado que nos encheu de satisfação, a nós e à equipa Salvador Caetano! O Rali foi um dos mais duros de sempre, com vitória do Markku Alen no Fiat 131 Abarth, no ano do acidente na Peninha e do célebre final do troço em marcha-atrás!

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