‘Estórias’ do Rali de Portugal: Jorge Ortigão e “um belo jantar…bastante indigesto”


Ainda hoje recordo com natural saudosismo os dois Rali TAP que disputei ao longo da minha carreira, já que, a partir de 1975, inclusive, a prova passou a designar-se por Rali de Portugal Vinho do Porto, tendo ou feito uma série deles, o último dos quais em 83.

Mas, voltando muito no tempo, lembro algumas peripécias curiosas, especialmente no ano de 1973, em que me estreei, então com 25 anos, ao volante de um Datsun 1200.

Era a minha primeira época de ralis e fiz a Campeonato de Iniciados, conquistando o título da Zona Norte. Nessa altura, as provas de iniciados decorriam entre Janeiro e Fevereiro, surgindo o TAP em março. Para mim, era uma grande aventura participar nessa prova, já que a minha experiência se resumia aos iniciados, ainda que os ralis desse campeonato já fossem algo ‘violentos’, comparados com os de hoje, pois os controlos eram muito apertados e o percurso chegava “a ter 400 quilómetros de extensão. Direi que as competições de iniciados da altura eram mais duras que hoje os ralis pequenos do Campeonato Nacional. De resto, também os controlos do TAP, verdadeiros troços cronometrados, eram muito difíceis de cumprir e ninguém conseguia fazer tudo a zero.

Nesse ano de 73, era a primeira vez que a prova entrava no Campeonato do Mundo e a última com percurso de concentração, com partida de várias cidades europeias. Eu saí do Porto, tal como o Martins Teixeira, o Joaquim Moutinho, que integrava o Team BLP, do qual também fazia parte o Rui Gonçalves. O falecido Ademar Sá foi um dos que partiu do Porto e, salvo erro, o Xanato (Renato Xavier). Também recordo que éramos um sete ou oito e depois da largada ás 18 horas, tínhamos que estar em Viseu às três horas da madrugada. O percurso do rali levava-nos a passar por Viana do Castelo, onde tínhamos urna receção, oferecida pelo Clube Naval, — aquilo era uma ‘coisa’ épica… —, passando pelo Marão, Lamego, até chegarmos a Viseu. Portanto, entre o Porto e Viseu o controlo era largo e, portanto, para os menos experientes, como era o meu caso, havia muito tempo para percorrer essa ligação. Então, os maçaricos juntaram-se na Pousada do Marão, com os colegas da equipa BLP, cujo diretor era o Fernando Baptista, e outros, para um lauto jantar e muita conversa pelo meio. Depois da partida, nunca mais vimos o Martins Teixeira. Começámos, então, nesse repasto, pela sopa, seguiram-se dois pratos e, no final, a sobremesa. Quando terminou a jantarada, quando dêmos por ela já era tarde e havia imenso nevoeiro. Vimos-nos aflitos para chegar a Viseu a tempo e horas. Foi mesmo violento, porque tivemos que andar demasiado depressa em condições particularmente difíceis, no meio de um nevoeiro intenso. De tal modo se andou depressa que o Ademar Sá partiu o motor do seu carro. Depois de tanto sofrimento, lá chegámos a Viseu, onde se encontrava, à espera da sua hora para controlar, calmo e fresco que nem uma alface, o Martins Teixeira.

Eu e os outros que estivemos na jantarada, todos aflitos e já cansados, a pagar o preço da inexperiência.

Lembro ainda que esse primeiro TAP em que participei, foi dominado pelos lindíssimos Alpine Renault, que ocuparam os dois primeiros lugares com Thérier à frente de Nicolas. Francisco Romãzozinho obteve a posição de melhor português com o terceiro lugar absoluto, e eu fui 15º.

A prova decorreu-me sem problemas de ordem mecânica, e constituiu uma excelente aprendizagem, visto que saíra dos iniciados para disputar a minha primeira grande prova do Campeonato Nacional.

No ano seguinte, 1974, voltei a disputar o TAP, que foi o último com essa designação. Aliás, esteve em risco de não se realizar devido à crise da petróleo e só o facto da Venezuela ter oferecido a gasolina permitiu que o Campeonato do Mundo principiasse no nosso país. Nessa altura eu dispunha de um Mazda 818, carro muito resistente, com a vantagem de ter poucas avarias. Aliás, nem dispunha de assistência, pois metia gasolina nas bombas que iam surgindo pelo caminho e levava somente pneus de terra, dois dos quais na mala do carro.

E davam para tudo, já que as classificativas iniciais, em piso de asfalto, eram feitas com esse tipo único de pneus.

Penalizei apenas sete minutos, ficando à frente de outros adversários que tripulavam carros mais potentes, mas o facto de o Mazda dar poucos problemas mecânicos permitia-me superar outro tipo de dificuldades. Para se avaliar dureza dos ralis desses tempos, basta dizer que de todos os concorrentes que alinharam à partida, apenas três, Rafaelle Pinto (1º), Alcide Paganelli (2º) e Ove Andersson (4º), fizeram a estrada a zero.

A prova foi dominada pela equipa da Fiat, com os 124 Spyder, tendo sido terceiro o Markku Alen, que penalizara dois minutos. A realidade era bem diferente, atendendo à dureza do rali, pois até à Póvoa de Varzim guiava-se praticamente toda a noite e apanhávamos logo no primeiro dia com a zona de Arganil, onde normalmente havia sempre muito nevoeiro. Hoje, comparativamente, é uma pera doce e o rali corre-se praticamente todo de dia, com bastante menos horas de condução consecutivas. Por outro lado, não se colocavam problemas de segurança ao nível dos espectadores, cuja afluência era menor, embora houvesse um elevado número de entusiastas que já se deslocava para todo o lado.

JORGE ORTIGÃO

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