Entrevista a Tommi Mäkinen: A PEÇA QUE FAZ A DIFERENÇA

Por a 1 Junho 2020 16:34

Como qualquer criança que cresce nos arredores de Jyväskylä, Tommi Mäkinen aguardava ansiosamente pelos últimos dias do verão para ver Mikkola, Alén e Vatanen voar nas classificativas do Rali dos 1000 Lagos. Atraído pela vertigem daqueles heróis que passavam mais tempo no ar do que no chão, o jovem Tommi tentou a sua sorte mas a oportunidade da sua vida teimava em não aparecer. Quando tudo parecia perdido, um lugar caído do céu para disputar o rali finlandês ao volante de um Escort, permitiu-lhe mostrar ao mundo que o circo do WRC não podia desperdiçar a garra e o talento de alguém que nascera para triunfar. Dois anos depois, era o chefe de fila da Mitsubishi e subia ao “capot” do Lancer para celebrar o primeiro de quatro títulos mundiais consecutivos. Ao cabo de 24 vitórias em provas do campeonato do mundo, Mäkinen arrumou as luvas mas não renunciou ao encanto dos ralis. Pegou na batuta e compôs os arranjos necessários para o regresso da Toyota ao WRC, sendo hoje o maestro responsável por devolver os dias de glória à orquestra japonesa.

Estávamos no final de agosto e saboreava os últimos dias das habituas férias estivais no Alentejo. Ao fim da tarde, o calor começava a dar tréguas, e, como era habitual à segunda-feira, a paragem do autocarro era o meu destino obrigatório. Depois da saída dos passageiros, o motorista pegava num embrulho com jornais e revistas e abandonava a viatura. Lá dentro, vinha o meu Autosport. Sem acesso a outros meios de informação e longe de sonhar com o significado da palavra internet, aquele conjunto de folhas criteriosamente dobradas era a única coisa que me ligava ao desporto motorizado na planície alentejana. Na capa, por baixo da foto de um Escort RS Cosworth, a enigmática frase “Mäkinen de surpresa”. Apresso-me a folheá-lo e, incrédulo, constato que o finlandês havia dominado o então denominado Rali dos 1000 Lagos graças a uma adaptação perfeita ao Ford que lhe permitiu pôr Kankkunen, Auriol, Sainz e Vatanen em sentido. Era o início de uma história de sucesso protagonizada por Tommi Mäkinen, o homem que imortalizou a marca Mitsubishi e as várias evoluções do Lancer ao dominar por completo a segunda metade da década de 90 contra carros tecnologicamente mais evoluídos e pilotados por um leque de adversários sem paralelo…

Fala-nos das primeiras memórias relacionadas com o desporto motorizado de alguém que cresceu em Puuppola, perto de Jyväskylä, uma das capitais mundiais dos ralis…

Puuppola fica a pouco mais de uma dúzia de quilómetros de Jyväskylä. Passei aí a minha infância e o Rali dos 1000 lagos era, para mim, um dos grandes momentos do ano. Aguardava ansiosamente pelos dias em que seguia os pilotos, não apenas na prova mas nas longas jornadas de treino que se realizavam nas semanas anteriores. Tudo aquilo gerava em mim um grande interesse…

Cresceste a ver os melhores do mundo a saltar nas classificativas perto da tua casa. Que sonhos invadiam a tua mente?

(Risos) Eu nunca sonhei demasiado! Limitava-me a ver aqueles heróis e quão rápido eles conseguiam andar. É claro que despertavam em mim o desejo de conduzir e, mesmo antes de ter a carta, costumava ir guiar para aquelas estradas onde os ases competiam mas a verdade é que foi após tirar a carta que comecei ter um desejo cada vez maior de experimentar a competição e os ralis em particular.

Tinhas ídolos?

Todos eles me encantavam mas tinha especial admiração pelos pilotos finlandeses. Habituei-me a ouvir falar dos feitos de Timo Mäkinen ou Simo Lampinen mas depois, ao vivo, consegui acompanhar aquela geração fantástica de Hannu Mikkola, Markku Alén, Ari Vatanen e todos os que se seguiram…

Deste os primeiros passos nas corridas de tratores e chegaste a ter uma curta experiência no Autocross mas rapidamente mudaste para os ralis e nunca mais os deixaste. O que torna os ralis tão especiais? Qual é a magia deste desporto?

É difícil explicar… Primeiro, tem aquele lado quase inalcançável pois é uma competição mais cara do que outras que havia experimentado até aí. É preciso ter os contactos certos, arranjar verbas para a preparação do carro, para os treinos, para as provas, tudo isso torna a modalidade difícil de atingir para alguém como eu e dá-lhe um lado especial, aguça o desejo. Depois vêm as razões emocionais ligadas à infância. Eu cresci a ver o Rali dos 1000 lagos e, é claro, isso molda a tua paixão e as tuas escolhas. Por último, as sensações. Estar dentro de um carro de ralis e partir para um troço é uma sensação fantástica. Aqueles instantes antes de arrancar em que o nível de concentração atinge o seu máximo e, depois, durante o troço, onde mais nada existe a não ser a estrada e nós, tentando dar o nosso melhor para conseguir bater os melhores pilotos do mundo. E quando chegas ao fim e vês que fizeste melhor do que os outros, a sensação é única e indescritível. Na altura em que decidi abandonar a carreira de piloto, foi o facto de deixar de viver esse momento único em cada troço que me fez ponderar bastante…

Quão importante foi Juha Kankkunen na ascensão da tua carreira?

O Juha foi muito importante. Quando comecei a competir nos ralis, ele era já bicampeão do mundo e apoiou-me bastante. Tinha experiência, conhecia as pessoas e isso foi, sem dúvida, determinante para conseguir evoluir no meu percurso.

Depois de alguns anos a correr com carros de Grupo N, surgiu o interesse de algumas equipas como a Lancia, a Toyota ou a Subaru mas a verdade é que, em 1992, decidiste ir para a Nissan, que dava os primeiros passos no Grupo A com o Sunny GTI-R. O que te atraiu no projeto?

Eu era novo, queria aprender e, na altura, achei que seria bom estar numa equipa que também estava a nascer e que iríamos crescer juntos. Depois, concluí que havia cometido um erro. Um piloto em aprendizagem deve estar numa equipa mais madura, mais profissional. Uma equipa nova e um piloto jovem não é a melhor das combinações e a decisão de ir para a Nissan não foi a melhor escolha.

A aventura da Nissan no Grupo A não foi bem-sucedida e, de repente, as expectativas de uma carreira risonha começam a esfumar-se. Chegaste a perder a esperança de vingar no Mundial de Ralis?

Sim, efetivamente. Em 94 as coisas com a Nissan até correram melhor, com o carro de F2. Fizemos vários ralis mas a verdade é que eu queria correr em Grupo A e, nesse aspeto, as coisas estavam a tornar-se complicadas já que não havia lugares disponíveis. Foi uma época muito difícil para mim e, no verão desse ano, pensei em deixar definitivamente a competição e dedicar-me a outras coisas.

E, de repente, quando ponderas deixar os ralis, surge um momento de viragem na tua vida: o Rali dos 1000 lagos de 1994…

Sem dúvida! A oportunidade de disputar o rali chegou num momento crucial. A Ford fez um teste com alguns pilotos e eu fui um dos candidatos. Lembro-me que, desde o primeiro momento, a minha adaptação ao Escort RS Cosworth foi fantástica pois era um carro incrivelmente fácil de guiar. Testei apenas dois dias e consegui ganhar o Rali dos 1000 lagos. Foi um dos momentos mais marcantes da minha vida…

Imagino o turbilhão de emoções que sentiste após a vitória…

Foi uma sensação incrível! Quando tudo parecia perdido, ganho o rali e, como é óbvio, estava feliz mas, ao mesmo tempo, a minha a cabeça já estava a pensar no que a vitória podia representar no futuro e na possibilidade de relançar a minha carreira.

Que oportunidades surgiram em consequência desse triunfo?

Nessa altura, o meu manager já tinha acordado com a Mitsubishi que eu faria o Sanremo e, portanto, começa aí a minha relação com a Mitsubishi.

Porque escolheste a equipa japonesa?

Não foi exatamente uma escolha. Eu queria continuar com a Ford, adorava o Escort e a facilidade com que o guiava. O Mitsubishi era um carro mais complicado e a minha primeira impressão sobre o Lancer não foi a melhor. Não me sentia confiante. Mas a Ford não iria continuar a nível oficial nos ralis, entregando o programa à RAS Sport. A Mitsubishi iria manter a sua presença oficial e, se até aí, não competia habitualmente em todas as provas do campeonato, a decisão de investir num programa completo pesou na decisão. Desloquei-me ao Japão e, nos escritórios da Ralliart, aceitei o projeto da equipa: faríamos o campeonato Ásia-Pacifico em 1995 e tentaríamos vencer o WRC no ano seguinte.

Acreditavas que era possível vencer o campeonato do mundo em 96?

Na verdade, não, mas sempre acreditei que, para se chegar a algum lado, é preciso trabalhar muito e, embora estivesse numa equipa pequena, toda a gente na Mitsubishi estava bastante motivada e dava o seu melhor sob a liderança de Andrew Cowan. Esse enorme trabalho de equipa resultou na conquista de algo que parecia inimaginável.

Que importância teve na tua vida a figura de Andrew Cowan?

O Andrew foi extremamente importante. Profissionalmente, ele tinha muito boas relações com o Japão e uma longa experiência em ralis. O facto de ter sido piloto e depois diretor dava-lhe um grande entendimento sobre o funcionamento de uma equipa. Dava muita importância ao ponto de vista dos pilotos, levava-o em conta e sabia muito bem o que significava trabalhar em equipa. O Andrew incutia em todos essa cultura da importância do trabalho em equipa. A nível pessoal, os anos que passei ao lado do Andrew representaram para mim uma lição de vida. Ele mostrava-me o caminho das coisas e como o fazer para lá chegar. Apercebi-me ainda mais da sua valiosa experiência depois de conhecer outras formas de liderança. O Andrew era definitivamente uma pessoa inspiradora…

Como se gere o dia seguinte depois do controverso Rali da Suécia de 95, no qual tiveste que ceder, contrariado, a vitória ao teu companheiro de equipa Kenneth Eriksson?

(Risos) Não foi fácil! Foi um momento complicado. Lembro-me perfeitamente desse dia mas, enfim, uma vez acontecido, há que beber umas cervejas, passar uma esponja em cima do assunto e olhar para o desafio seguinte…

Agora, como líder de uma equipa, percebes melhor a decisão que Andrew Cowan tomou naquele dia?

Eu compreendo mas continuo a não ser um defensor de ordens de equipa. Prefiro falar abertamente com os pilotos e, juntos, chegarmos a um entendimento comum. Não sou apologista de obrigar os pilotos a cumprir ordens.

Em 1996, venceste o primeiro de quatro títulos mundiais no WRC. Qual é a sensação de ser campeão do mundo?

É uma sensação estranha! Lembro-me perfeitamente de percorrer os metros finais da última classificativa na Austrália. Contornámos o rio onde muitos concorrentes viriam a ficar parados, chegámos ao topo do monte, controlámos e percebemos que éramos campeões do mundo! Nesse momento, vem ao de cima um conjunto de emoções, havíamos trabalhado muito durante o ano, empenhámos-nos tanto e, quando vemos esse esforço premiado, somos invadidos por uma sensação única que, ainda hoje, não consigo descrever…

E quando acordaste, no dia seguinte, o que havia mudado na tua vida?

Não muito, para ser honesto. Sentes uma motivação e uma vontade de vencer o próximo título (risos) e anseias começar a trabalhar para isso acontecer.

Com um carro de Grupo A, venceste quatro títulos consecutivos quando os teus adversários conduziam modelos da geração WRC e, portanto, tecnologicamente mais desenvolvidos. Que ingredientes contribuíram para esse domínio?

No final dos anos 90, começou a ficar claro para nós que o Lancer não tinha condições para manter a competitividade nos ralis mais rápidos, quer em asfalto, quer em terra. Nas provas mais duras, conseguíamos compensar essa falta de velocidade mas o carro estava a ficar ultrapassado em vários aspetos e não era tão rápido quanto os WRC. Apesar disso, jogava a nosso favor o facto de o Lancer não utilizar alta tecnologia, o que o tornava muito fiável e simples do ponto de vista mecânico. Mesmo não sendo o mais rápido, era sem dúvida, fiável.

Dos quatro títulos que conquistaste, houve algum que se destacasse por ter sido mais difícil que os outros?

Lutar pelo campeonato é extremamente desgastante. Ser campeão do mundo é ainda mais difícil e os títulos conquistados resultam sempre de um enorme esforço, por isso, não consigo escolher um. É realmente muito difícil bater pilotos que têm o mesmo objetivo que tu. Exige muito de nós…

Apesar de tudo, a conquista do campeonato de 98 adquiriu contornos invulgares. Fala-nos da mistura de emoções que viveste no Rali RAC desse ano. Primeiro, o acidente…

Foi um dos piores momentos da minha vida. E, ainda por cima, não tinha sido por culpa própria mas sim da organização. Antes de partir para o troço, tinha havido uma competição de carros históricos e um concorrente partiu o motor, derramando óleo no local. A organização decidiu cobrir aquela curva com areia e ninguém me informou de que a zona estaria escorregadia. Eu parti normalmente para o troço, com pneus de asfalto e, quando cheguei àquela esquerda, o carro escorregou e não evitei uma pancada forte no bloco de cimento. O comentador dizia no altifalante: “e agora aproxima-se Tommi Mäkinen do local, vamos ver o que vai acontecer…” e o que aconteceu foi que perdi completamente o controlo do carro, dei uma forte batida e danifiquei a traseira do lado direito arrancando a roda. Fiquei bastante frustrado. Sem ter culpa alguma, acabara de perder a possibilidade de ganhar o terceiro título consecutivo. Era a pior maneira de terminar uma época…

E depois, o telefonema que recebeste quando Sainz parou na última especial, a 500 metros da meta. Achaste que era brincadeira?

O meu irmão ligou-me, eufórico, dizendo que o Carlos tinha parado no último troço e eu, inicialmente, pensei que pudesse ser uma brincadeira. Sinceramente, não acreditei que fosse verdade mas, depois, percebi que era a sério!

Como te descreves enquanto piloto?

Era um piloto bastante flexível, que conseguia mudar rapidamente a forma de pilotar e adaptar-me a diferentes condições do terreno. Mantinha os olhos bem abertos e, se as características se alterassem, adaptava-me. Esse era um ponto muito forte na minha forma de pilotar, o que me tornava especialmente competitivo em condições difíceis.

Qual foi, para ti, a melhor versão do Lancer que conduziste?

Foi o Lancer Evo 6.5, o último, antes da versão WRC. Era o resultado de vários anos de desenvolvimento e combinava o melhor de cada uma das versões anteriores.

Competiste numa era em que, para chegares à vitória, tinhas que bater pilotos como Sainz, McRae, Kankkunen, Auriol, Grönholm ou Burns. Achas que, nessa altura, o nível de competitividade era superior ao que vemos nos dias de hoje?

Esse período foi, de facto, muito competitivo. Tínhamos sete equipas a competir com um leque muito grande de pilotos e as lutas pela vitória eram muito renhidas. No entanto, é difícil fazer comparações com outras épocas. Em todas é preciso ser bastante rápido para vencer mas é um facto que, nos anos em que corri, o número de potenciais vencedores que se apresentava à partida de um rali era grande. A grande diferença está na forma como os ralis decorriam e no modo como eram encarados. No meu tempo, quando chegávamos ao fim do penúltimo dia e havia uma diferença de 30 segundos para o líder, nós achávamos que a vitória estava ainda ao nosso alcance e motivávamo-nos para conseguir chegar ao triunfo. Hoje em dia, as coisas são diferentes. Uma diferença de 5 ou 10 segundos parece quase impossível de anular e os próprios pilotos encaram isso como uma tarefa extremamente difícil. Naquele tempo, nunca baixávamos os braços e achávamos que a vitória estaria sempre ao nosso alcance, mesmo que isso representasse correr riscos e conduzir para lá do limite. Quando assim é, é normal que, por vezes, os acidentes aconteçam. Lembro-me sempre das minhas lutas com o Colin McRae. Andávamos sempre a discutir as vitórias entre nós mas nunca terminávamos juntos. Apenas uma vez, creio que na Acrópole, ele terminou em primeiro e eu em segundo mas, por norma, nunca aparecíamos juntos na classificação embora estivéssemos a discutir o rali ao segundo porque, ou ele saía de estrada ou eu saía de estrada (risos). O risco que corríamos era bastante elevado.

Colin McRae foi o adversário mais difícil de bater?

Em algumas condições, sobretudo em pisos de terra, o Colin era o mais forte. Nessa altura, outra das diferenças relativamente aos dias de hoje é que o nosso principal adversário não era sempre o mesmo, variando de prova para prova. Do vasto leque de pilotos, uns eram mais rápidos no asfalto, outros destacavam-se em terra e, em cada prova, tínhamos que competir com os especialistas nesse tipo de piso. Em asfalto, os franceses Delecour e Panizzi, ou mesmo o Sainz davam cartas enquanto na Suécia e na Finlândia destacava-se outro lote de pilotos.

A história tem demonstrado que os pilotos finlandeses não são muito competitivos em asfalto. Por esse motivo, as vitórias que conseguiste em ralis como o da Catalunha ou o Sanremo tiveram um significado especial para ti?

Sim, e devo dizer que gostava de ralis de asfalto, apesar de o Mitsubishi não ser o melhor carro para essas provas. Tinha uma frente pesada e a transmissão também não era a ideal para o asfalto mas eu gostava de conduzir nesse piso e foi talvez por isso que conseguimos algumas vitórias. O Monte Carlo era mais fácil para o Lancer porque as condições eram difíceis e o piso bastante escorregadio, mas, no asfalto seco, era mais difícil. Com o Evo 6, melhorámos um pouco porque o carro era ligeiramente mais largo mas, ainda assim, o Lancer não era um carro para asfalto, o que terá dado mais valor às vitórias que conseguimos.

Fala-nos das tuas memórias do Rali de Portugal…

Tenho boas memórias de Portugal. Sempre foi um rali difícil e, com condições atmosféricas adversas como as de 2001, revelava-se bastante duro. Essa foi a edição mais marcante para mim. Lembro-me que o Lancer estava particularmente rápido em condições bastante adversas e, por isso, começámos o rali na frente. A prova estava a correr-nos bem mas, à medida que a competição se aproximava do final, o piso ia ficando menos escorregadio e o Carlos Sainz aproximou-se. Contudo, tivemos alguma sorte porque, no último troço, o piso estava bastante duro e escorregadio e eu pensei que a vitória estava ao nosso alcance. Parti para o último troço com essa convicção, conduzi completamente nos limites e conseguimos ganhar por 8 segundos ao Carlos. Foi uma vitória fantástica…

O Vinho do Porto continua a ter um lugar especial na tua coleção de vinhos?

Embora não tão afincadamente como no passado, continuo a colecionar vinhos e é claro que o Porto, assim como outros vinhos de mesa portugueses fazem parte da coleção.

Durante mais de uma década, o teu nome apareceu em destaque nos títulos da imprensa, colecionaste milhares de fãs no mundo inteiro e ainda hoje és um alvo apetecível para os media da especialidade. No entanto, sempre assumiste a tua timidez, preferindo estar no teu canto e não te sentindo particularmente à vontade a conceder entrevistas, por exemplo. Como tens gerido a exposição mediática durante estes anos?

Apesar de gostar de estar no meu canto, nunca me incomodou essa exposição mediática e procurei sempre colaborar com os jornalistas. Havia, no entanto, aquele momento antes de partir para as classificativas em que me custava bastante ser abordado porque isso me desconcentrava. Nesses instantes, eu procurava estar sozinho e em silêncio. Era a minha forma de me concentrar para os troços e eu precisava dessa tranquilidade e desse silêncio…

Em 2002 mudaste-te para a Subaru. Como comparas o ambiente que encontraste na nova equipa com aquele que se vivia na Mitsubishi?

A Subaru era uma equipa maior e, por isso, não tinha aquele ambiente familiar da Mitsubishi. Tinha mais gente em todos os departamentos, mais engenheiros, etc.. Era um ambiente muito profissional, sem dúvida, mas a comunicação entre as pessoas não era tão eficiente como aquela que existia na Mitsubishi.

No final de 2002, decidiste pendurar as luvas e o capacete. Foi uma decisão fácil?

Não, de todo. Foi muito difícil. Levei um ano e meio a amadurecer a ideia e, durante esse processo, questionava-me muitas vezes “porquê parar, se eu posso continuar?” Somos sempre tentados a continuar mas, no fim desse período de hesitações, decidi mesmo abandonar.

Como te sentiste nos meses que se seguiram?

Durante uns tempos, não fiz nada. Aproveitei para esvaziar a mente. Contudo, esse período foi curto, já que comecei a dar corpo ao projeto Tommi Mäkinen Racing e iniciei as conversações com o Japão para continuar a cooperação com a Subaru. Mas também tinha outras atividades, outros negócios, aliás sempre tive, já que nunca me dediquei em exclusivo aos ralis.

Quais eram os teus planos quando decidiste criar a Tommi Mäkinen Racing?

Não havia grandes planos, para ser honesto. O objetivo passava pela construção de carros de Grupo N e fazer da equipa um preparador reconhecido nessa categoria. As coisas começaram bem, evoluímos os nossos carros mas, depois, os regulamentos mudaram, os Grupo N deram lugar a outras categorias e tivemos que procurar novos caminhos já que a Subaru não estava vocacionada para produzir carros S2000 ou, mais tarde, R5.

Como começaram os contactos com o quartel general da Toyota?

Um dos meus melhores amigos, Hiro Sato, é produtor de TV no Japão e, um dia, soube que eu estava no Japão e ligou-me a pedir para ir conhecer o presidente da Toyota, Akio Toyoda, já que ele gostava de testar pessoalmente os carros da marca e queria ter umas aulas de condução. Nessa altura, criámos de imediato uma grande cumplicidade. À medida que íamos conduzindo, falávamos de carros e de ralis em geral e, passo a passo, começámos a definir um projeto que envolveria o regresso da Toyota ao WRC.

Como encaixou a tua personalidade na cultura japonesa?

Muito bem. Trabalhei com japoneses durante toda a minha carreira, conheço bem a sua cultura, os seus valores. Há muitas semelhanças com a cultura europeia em alguns aspetos. Noutros, podem ser diferentes mas, se conheceres aquele povo, isso ajuda-te a compreender essas diferenças, por isso, para mim, depois dos anos que passei com a Mitsubishi e com a Subaru, não foi difícil esse entendimento.

Ser o líder de uma equipa permite compreender melhor algumas coisas porque se tem uma perspetiva diferente daquela que um piloto tem?

São claramente duas perspetivas diferentes do mesmo desporto. Enquanto piloto, concentras-te sobretudo em ti próprio, no teu desempenho e o teu objetivo é ajustar da melhor maneira o carro ao teu estilo. Tu és o centro das tuas atenções. Enquanto líder, tens que focar-te em toda a gente, ver a fotografia completa da equipa, como é que cada coisa e cada departamento devem funcionar para atingirmos os resultados pretendidos e, desta perspetiva que agora tenho, o piloto é apenas uma parte dessa fotografia.

Tendo sido um piloto de sucesso, isso ajuda-te a fazer melhor o teu trabalho enquanto líder de equipa?

Sem dúvida. Enquanto líder, consigo compreender não apenas a perspetiva do piloto mas também de que forma é que o trabalho de cada área e de cada elemento contribui para o sucesso dos pilotos e que, no fundo, será o sucesso de todos. Garantir que cada um, no meio deste todo que é a equipa, se sinta motivado, é obviamente mais fácil quando já lá andámos tantos anos e sabemos exatamente o que cada um sente ou do que precisa para fazer melhor o seu trabalho. Para isso, os anos que passei na Mitsubishi foram muito importantes porque, na altura, sabia que tinha um papel importante na motivação da equipa pelo facto de vencermos ano após ano. E sabemos que, mesmo vencendo várias vezes, ou se calhar por causa disso, chegamos a um ponto em que a motivação e a energia da equipa começa a baixar porque deixa de ser novidade. Nessa altura, era preciso motivar a equipa, puxar pelas pessoas, entender o que precisam e o que podes fazer por elas. Eu sei que tive um papel importante nessa altura e sinto que agora colho os frutos dessa aprendizagem. Posso dizer que esses anos foram uma espécie de escola para mim…

Em que te inspiras para liderar uma equipa no campeonato do mundo de ralis?

Não sinto que precise de grande inspiração para fazer um bom trabalho enquanto líder. Preciso, sim, de princípios e, nesse aspeto, há duas coisas das quais eu não abdico e que são a receita para uma liderança eficaz: abertura e honestidade, o resto são detalhes…

É possível comparar a pressão de estar ao volante e ter que ser mais rápido que todos os outros com aquela que sentes agora a comandar os destinos da equipa?

Não há pressão sobre nós quando lideramos uma equipa (risos)! Sentimos pressão quando estamos dentro do carro a lutar pelo título mas, à frente dos destinos da equipa, não se pode dizer que exista pressão…

É normal que, sobre os teus ombros, recaia alguma pressão. Afinal de contas, és o principal mentor deste projeto, arriscaste ao querer que a equipa esteja sediada na Finlândia quando podia estar na Alemanha, escolheste a equipa, as pessoas que te rodeiam e até tiveste um papel importante no desenvolvimento do Yaris. É normal sentires que o projeto que idealizaste está constantemente a ser posto à prova…

Sim, eu compreendo mas é uma pressão diferente, muito mais fácil de gerir do que aquela que sentimos ao volante. Quando conduzimos, a tensão está sempre lá, o risco está sempre lá, o perigo de sair de estrada está lá. E temos que fazer com que isso não interfira na nossa concentração. Essa é uma pressão verdadeiramente difícil de gerir.

A Toyota venceu o título de construtores em 2018 e um dos seus pilotos foi campeão do mundo em 2019. Depois destes triunfos, que ambições ainda tem o timoneiro da equipa?

Continuar a trabalhar para manter todos os membros da equipa motivados e, ao mesmo, ouvir as diretrizes que chegam do Japão. A equipa resulta de uma estrutura triangular entre a TMG do Japão, a TMG da Alemanha e a nossa equipa na Finlândia. Dessa perspetiva, os principais desafios passam por traçar o caminho a percorrer no futuro percebendo as expectativas de cada uma das partes. No dia-a-dia, a maior ambição é continuar a desenvolver carros ainda melhores do que os que correm hoje.

No final do ano passado, com a saída de Tanak para a Hundai, viveram-se semanas intensas para garantir uma equipa competitiva em 2020. Se disser que aqueles dias terão sido os mais difíceis da tua carreira enquanto líder, andarei muito longe da verdade?

De fora, os acontecimentos do final do ano passado podem parecer mais difíceis ou agitados do que, na verdade foram. Relativamente ao Ott, ele estava cheio de dúvidas quanto ao seu futuro, porque havia recebido uma proposta de outra equipa. Eu falei com ele abertamente e disse-lhe honestamente “se te sentes tentado a conhecer o que está do outro lado do muro, se achas que pode ser melhor do que aquilo que tens cá dentro, só tens que ir atrás da tua vontade. Não te preocupes que nós havemos de arranjar outras soluções”. É claro que, com a partida do Ott, colocou-se a questão de perceber quão competitivos podíamos continuar a ser ou quanto tempo levaria até chegarmos novamente ao nível de competitividade que havíamos atingido mas tudo aconteceu muito rapidamente, as mudanças ocorreram, chegaram novos pilotos e navegadores e aí, uma vez mais, valeu o trabalho conjunto de toda a equipa para garantir uma rápida adaptação e entrosamento entre pilotos, navegadores e engenheiros, o que nos permitiu ter um bom arranque de campeonato. Em virtude da mudança total nas equipas de pilotos, existia a preocupação de saber a que nível estaríamos no arranque da temporada mas penso que essa resposta já foi encontrada, pois sabemos exatamente onde nos encontramos e estamos muito satisfeitos e confiantes com o que conseguimos atingir nas três primeiras provas do mundial.

Achas que o Kalle Rovanperä pode quebrar o jejum finlandês no que a títulos de campeão do mundo diz respeito?

Estou muito confiante que isso possa acontecer. Quem viu a sua adaptação ao Yaris WRC, a forma como disputou as provas com os pilotos experientes e, sobretudo, quem, no seio da equipa, teve oportunidade de analisar ao detalhe a sua performance nos troços e a velocidade a que conduziu, concluirá que é uma questão de tempo até estar no topo.

Como vês o futuro do WRC?

É um futuro de desafios aquele que a FIA tem, neste momento, pela frente. Perceber o impacto do Coronavírus no desporto mundial e nos ralis em particular e, ao mesmo tempo, alinhar isso com uma alteração nos regulamentos. Como combinar a redução dos custos dos carros ao mesmo tempo que se introduz a tecnologia híbrida que, como sabemos, poderá aumentar esses mesmos custos? Ao contrário do que será desejável, os carros híbridos da geração 2022 poderão ser ainda mais caros do que os que correm hoje. Qual o impacto que isso terá no orçamento das equipas? Como vês, esperam-nos tempos de grandes desafios.

E tu farás parte desse futuro?

Acredito que sim (risos)! A Toyota tem passado por momentos muito bons desde que regressou ao WRC em 2017, todos na equipa estão satisfeitos com a forma como as coisas têm corrido, veem-se grandes sorrisos nas faces e existe alinhamento entre aquilo que é a vontade do Japão e o desejo de continuar por parte da equipa. Sabemos que temos chegado a um número elevado de pessoas e que recuperámos muitos dos fãs que haviam seguido os feitos da marca no passado, pelo que temos que continuar a retribuir-lhes com resultados e a abrir-lhes as nossas portas nos parques de assistência das provas do campeonato do mundo.

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jmario
jmario
3 anos atrás

um Verdadeiro Senhor que eu tive o prazer de ver a conduzir nao so nos nossos fabulosos troços como em troços na corsega, monte carlo ,rac, san remo e catalunha

jo06101634
jo06101634
3 anos atrás

Excelente entrevista! Parabéns também ao entrevistador .

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