Construtores japoneses no Mundial de Ralis: VIVEIRO DE SUCESSOS

Por a 20 Janeiro 2023 15:15

A reintegração do Rali do Japão no Campeonato do Mundo de Ralis em 2022 fez-nos recordar a importância dos nipónicos na competição. Até esse momento, a virilidade deste desporto no país do Sol nascente advinha do esforço individual de alguns construtores, sete dos quais – Subaru, Mitsubishi, Toyota, Mazda, Suzuki, Daihatsu, Nissan – conseguiram, de uma maneira ou de outra, dar sentido à palavra “êxito”, mesmo que nem todos perdurem no tempo. Esse notável esforço, conseguido à custa de um forte investimento, mas, sobretudo, de muita coragem, conviveu sempre com momentos especiais, que marcaram os seus primeiros passos fora do seu país e ajudaram a criar autênticos ícones da indústria automóvel moderna. É por isso agora a altura certa para recuperar alguns desses traços de personalidade nipónica perdidos na história e que deram também o seu contributo para elevar o prestígio e o sucesso do “Mundial” de Ralis. Preparem-se para viajar no tempo…

Mitsubishi (1965-2005): Uma lenda viva

A história do envolvimento internacional da Mitsubishi é das mais antigas e, sem dúvida, também das mais bem sucedidas. O primeiro modelo disponível para explorar esta vertente do construtor dos três diamantes foi o Colt 1000, que, em 1965, ganhou o Mountain Rally com sete minutos de avanço, o que serviu de trampolim para o desenvolvimento do Colt 1100.

Esta nova versão realizou 8 mil milhas de testes antes de receber o ‘OK’ da fábrica, o que veio a acontecer já com a versão 1100S, mas sem os resultados esperados.

O ‘enguiço’ acabou por ser quebrado em 1974 e 1976 quando o Colt Lancer de Joginder Singh se instalou no lugar mais alto do pódio do Rali Safari. Esse tónico de energia não foi aproveitado, tendo o projeto dos ralis internacionais registado um atraso de quatro anos até ao aparecimento, no Rali de Acrópole de 1981, do Lancer Turbo (que muita gente considerou ser um carro feito “por autómatos e para autómatos”, e que só poderia ser conduzido por “microchips” e nunca por pilotos face à complexidade de eletrónica já nessa altura desenvolvida).

As vitórias ficaram adormecidas até ao advento do Galant VR-4 no final dos anos 80, com Mikael Ericsson, Kenneth Eriksson e Pentti Airikalla a darem uma ajudinha à marca para reforçar o investimento no futuro.

E o futuro chamava-se precisamente Lancer Evo, um carro tão competitivo que imortalizou o nome de Tommi Mäkinen (ao conseguir quatro títulos de pilotos consecutivos) e ofereceu o primeiro e único título de Marcas à Mitsubishi (1998). Infelizmente, o atual Lancer WRC (nascido para o substituir as seis versões de competição do Evo) não deu o seu contributo para manter a lenda viva que foi a Mitsubishi e o projeto morreu em 2005 para nunca mais renascer.

Toyota (1972-1999): A importância de um telefonema

Algumas das melhores histórias tem inícios curiosos. É o que se pode dizer do arranque internacional da Toyota nos ralis no Rali RAC de 1972. Tudo começou quando David Stone, depois de vencer o seu primeiro rali como co-piloto, foi contactado pela Toyota Japão para tentar trazer Öve Andersson para o seio da equipa. Uma missão difícil, dado o ceticismo de Andersson a novos projetos, e que por pouco não tinha sucesso dada a frequência com que Stone telefonava a Andersson, sempre com o preço da chamada a cair no destinatário.

Por isso, daquela vez, Andersson esteve mesmo para rejeitar o telefonema que o iria levar à condução de um Celica TA22 (1600 cc) ‘de fábrica’, com o qual terminou o RAC em nono, há frente de outros carros japoneses, o que agradou, de imediato, à casa-mãe.

Estava traçado o destino do sucesso que se prolongou nos anos subsequentes, com 43 vitórias ao mais alto nível no Mundial de Ralis, um impressionante número apenas batido pela Lancia e Ford. Rendendo a versão ‘primitiva’ do Celica de competição estava o Celica Twin Cam Turbo, responsável, na década de 80, por seis triunfos e pela descoberta de um jovem valor chamado Juha Kankkunen.

À posteriori, o Celica GT4 e o Turbo 4WD, que ‘respiraram’ entre o final dos anos 80 e até meados dos 90, foram um baluarte de maior êxito da marca japonesa, como se podem confirmar pelas 30 vitórias e dois títulos de Marcas.

Mas tudo tem um fim, e para a equipa em que Öve Andersson foi sempre uma peça importante (primeiro como piloto e depois como diretor), as portas haviam de se fechar no final de 1999, após a conquista de mais um título de Construtores, com o Corolla WRC a dar lugar a um projeto para um monolugar de F1!

Do resto da história todos se recordam, porque é bem mais recente, com o regresso dos nipónicos em 2017 ao WRC, com o título de Construtores a chegar logo em 2018 e o de Pilotos em 2019, por intermédio de Ott Tänak.

Nissan (1973-1982/1991-1996): Sucesso só mesmo em África

Os primeiros passos dados pela Datsun (como na altura era conhecida a Nissan) com o objetivo de se internacionalizar foram dados na direção dos ralis-maratona australianos pouco antes de o alvo passar a ser o Quénia, mais exatamente o Rali Safari. Tal como a Daihatsu, foi em África que ficaram gravados os anos de ouro da marca a partir do momento em que a DT Dobie, o importador nacional queniano do construtor, lançou a marca na aventura africana. O famoso 240 Z foi o primeiro modelo a fazer história, ganhando o Rali Safari no primeiro ano em que foi criado um Campeonato do Mundo para Marcas (1973), mas nem sequer foi o mais bem sucedido. No périplo queniano, o Violet 710 e depois o GT obtiveram melhores marcas conseguindo, juntos, quatro triunfos, sempre com Shekhar Mehta ao volante.

De resto, este famoso queniano (que foi Presidente da Comissão FIA de Ralis) ofereceu ao palmarés da Datsun mais três vitórias com o modelo 160 J, uma das quais de valor relevante por ter sido obtida na Nova Zelândia e não no continente africano. Com a transformação da Datsun em Nissan, as presenças no ‘Mundial’ tornaram-se menos assíduas, mau grado as tentativas da Nissan Motorsports Europe na década de 90, primeiro com o Sunny GTi-R e depois com o Almera Kit Car, ficando como único apontamento digno de registo o vicecampeonato conquistado na Taça do Mundo FIA – 2 Litros em 1994.

Subaru (1980/1986-1990/2008): Um ícone dos ralis

Causou sensação a primeira aparição da Subaru na cena dos ralis internacionais no ano de 1980. Se para muitos o nome da marca era estranho, para outros o mais curioso era o facto de pela primeira vez um Grupo 1 ter terminado o Rali Safari. Tratava-se do Leone 4WD, um pequeno modelo de quatro rodas motrizes que impressionava pela agilidade e fiabilidade. Mas até o Leone conhecer o seu sucessor foram necessários esperar seis anos, numa altura em que a marca tinha já outra postura nos mercados internacionais e por isso decidiu investir num projeto de maiores dimensões. Para a ‘arena’ lançou então três RX Turbo de Grupo A (com 170 cv) que beneficiavam, na sua conceção, de seis pedagógicos anos de análise dos ralis do ‘Mundial’ e que, sem serem um supra-sumo no panorama dos carros de ralis, serviam perfeitamente as intenções do construtor.

Mas, no final desse mesmo ano, a Subaru não se deixou seduzir pela mudança regulamentar imposta pela FIA após o fatídico acidente de Henri Toivonen e hibernou até 1990, altura em que despertou um novo projeto chamado Legacy RS e que ajudou a prolongar a carreira de Markku Alén e Ari Vatanen.

Com pouca agilidade e muito peso, o motor possante não foi suficiente para colocar o, entretanto, evoluído Legacy 4WD Turbo no topo da pirâmide, responsabilidade que recaiu no Impreza a partir de 1994. Nas suas duas versões, 555 e WRC (e mais de 10 evoluções), o Impreza tornou-se um ‘best-seller’ no Mundial de Ralis (conquistou três títulos de Marcas e dois de Pilotos), em grande parte devido ao orçamento quase sempre ilimitado garantido pela Fuji Heavy Industries, e pela própria conceção física do carro, a que a experiência da Prodrive não era alheia.

Até 2004 a equipa foi competitiva, com os títulos de pilotos de Colin McRae, em 1995, Richard Burns, em 2001, e Petter Solberg, em 2003, mas a partir daí os resultados foram caindo muito, desde 2005 não voltou a ganhar ralis e abandonou a competição no final de 2008.

Com Petter Solberg e Chris Atkinson a já terem sido dados como certos na equipa de 2009 e a própria Prodrive a anunciar a inscrição da equipa Subaru WRT no Mundial de Marcas, dois dias antes de a ‘bomba’ rebentar, nada fazia prever que a equipa criada pela Fuji Heavy Industries e assistida no terreno pela Prodrive abdicasse do Mundial de Ralis e de forma tão abrupta.

Sendo verdade que o contrato entre a Fuji Heavy Industries e a Prodrive, que devia continuar até ao final de 2009, não tinha sido renovado a meio da temporada de 2008, altura em que estava previsto sê-lo, depois, a relação entre a STI, o departamento de competição da Fuji Heavy, e a Prodrive atingiu o seu mais baixo nível de sempre devido à falta de resultados dos Impreza oficiais nos últimos anos. Por diversas vezes, a STI não escondeu estar à procura de um novo parceiro para liderar o seu programa internacional, ideia de que acabou por abdicar.

Política à parte, a verdade é que decisão que colocou termo a uma ligação de 20 anos foi uma grande perda. A Subaru World Rally Team criou verdadeiros campeões como Colin McRae e Richard Burns e a sua ausência foi sentida um pouco por todo o mundo dos ralis. Na altura, ficou em aberto a possibilidade de a Subaru regressar em 2010 com as novas regras do WRC, mas como bem sabemos, não foi esse o caminho. Até hoje. Fala-se de um possível regresso, mas para já tudo não passa de rumores.

Suzuki (1986/2002-2004): O último “samurai”

O Rali Olympus (USA) de 1986 marcou a primeira etapa no envolvimento da Suzuki no desporto automóvel além-fronteiras, sendo a primeira oportunidade para rivalizar com os seus rivais da Honda nas quatro rodas depois das duas rodas. Com o pequeno Cultus (Swift) GTI não eram de esperar grandes milagres e por isso a vitória nesse ano na Classe A5 foi até muito bem-vinda para o piloto japonês Kenzo Sudo, passo que acabou por ser imitado por Nobuhiro Tajima nos dois anos seguintes com a mesma ‘arma’ ao serviço. Após esse tímido aparecimento na cena internacional dos ralis foi preciso esperar 16 anos para que um novo Suzuki fizesse esquecer essa pequena herança do ‘Mundial’ de Ralis.

Definindo e cumprindo os objetivos para a promoção de jovens pilotos, a Monster Motorsport encarregou-se, em 2002, de desenvolver de base um Ignis S1600. O carro proporcionou a Nikki Schelle e a Juha Kangas alguns resultados interessantes no ano de estreia.

Depois disso, mantendo a estrutura semi-oficial e reforçando o orçamento, as vitórias não tardaram a suceder: Salvador Canellas conquistou o vice-campeonato ‘Júnior’ em 2003 e Per-Gunnar Andersson pôde erguer a taça do título da mesma competição no seguinte, beneficiando pela primeira vez de um Ignis de quatro portas super-robusto e competitivo.

Mazda (1983-1989): Promissor mas sem resultados

O Rali de Monte Carlo de 1987 marcou uma mudança importante nos regulamentos dos ralis do “Mundial”, permitindo à Mazda entrar no Campeonato do Mundo de Ralis pela porta grande e anular em definitivo o projeto para tornar o RX-7 de motor Wankel um “super-Grupo B”. Antes de isso acontecer, uma esporádica aparição de dois Mazda 323 de 1300 cc, guiados por Achim Warmbold e Alain Beauchef, no “Monte Carlo” de 1982, e as investidas no Rali da Grécia de 1983 de um pouco competitivo RX-7 lançavam as primeiras suspeitas de que o envolvimento oficial estava para nascer, o que só aconteceu, na realidade, quatro anos depois, numa altura em que a equipa Mazda Rally Team Europe, sob a égide dos seus importadores suíços, ganhou outra vida. O construtor oriental colocou em campo o competitivo 323 4WD de Grupo A, conseguindo a sua primeira vitória absoluta logo no segundo rali (Suécia), marco que, no entanto, só voltou a ser repetido dois anos depois (Suécia novamente e Nova Zelândia), numa altura em que os crónicos problemas de motor e do turbo foram resolvidos ou amenizados.

Deste 323 4WD ficaram as prestações pouco mais do que medianas, uma vez que os seus 235 cv não lhe permitiam fazer grandes “milagres” face à concorrência da Lancia e Toyota, apesar de ter no peso um importante trunfo (inferior a 1000 quilogramas).

Daihatsu (1981-1993): Experiências pontuais

A história da Daihatsu no “Mundial” de Ralis resume-se à relação de afetividade e de frequência assídua que o construtor estabeleceu com o Rali Safari. Tudo começou quando, em 1981, Yoshihiro Terao persuadiu a Daihatsu Japão a estender os seus projetos caseiros até à mais importante prova do “Mundial” disputada no continente africano e a apoiar o seu projeto privado (de onde a casa-mãe tiraria contrapartidas promocionais ao nível da televisão), que incluía a inscrição de um Charade G10 de Grupo 2. Com um nível de fiabilidade à procura de melhores dias, a Daihatsu não desmoralizou e voltou à carga nos anos seguintes, fazendo do Charade o seu principal “cavalo de batalha” até 1986, o último ano dos “super-carros”, que sempre passaram ao lado de marca japonesa. Até aí o Charade (aspirado e turbo) conseguiu alguns resultados importantes, mas apenas ao nível das classes, em que, de resto, deu um passo significativo ao tornar-se o primeiro modelo com motor com menos de 1 litro de cilindrada a ganhar no “Mundial” desde 1969. Melhor só mesmo os pontos conquistados no “Mundial” de 1993 pelos três Charade GT-XX inscritos pela Ryce Motors, que deixaram a promessa de a marca regressar no ano seguinte com um carro de quatro rodas motrizes. Promessa que ficou, contudo, por cumprir…

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