Rali de Portugal: No dia em que Adruzilo Lopes deixou de falar com Colin McRae

Há pilotos assim: Pegamos no telefone, dizemos-lhes o que queremos e eles começam a debitar memórias. Quase sem parar. Um deles é Adruzilo Lopes, que fez o Rali de Portugal por 17 vezes, entre 1988 e 2014: só à sua conta, temos quatro histórias para publicar dentro em pouco. Todas diferentes, todas interessantes. Divirta-se!

Histórias sobre o Rali de Portugal, passadas no Rali de Portugal, tenho muitas. Podíamos ficar aqui a tarde toda a conversar que eu falava delas todas,  com certeza! Mas, assim de repente e desde que falámos ao telefone, lembrei-me de quatro situações que, penso eu, são curiosas. A primeira foi logo no meu primeiro Rali de Portugal [1988], que fiz com o Toyota [Corolla GT] com que tinha feito o troféu [de Velocidade], no ano anterior. Nessa prova, levei comigo o meu irmão Vítor [Lopes] como navegador. Lá fui andando, ao meu ritmo e, quando chegámos a Fafe, ele virou-se para mim e disse-me: ‘Ou começas a andar mais devagar, ou fico já aqui!’ Nessa altura, ainda não existiam parques de assistência, que eram feitas à beira da estrada. Então, quando foi a altura de sair para o troço seguinte, que era Rossas, eu não fui de modas e arranquei para a estrada sozinho no carro, sem o meu irmão. Mas lá comecei a refletir melhor e pensei que não me iriam deixar entrar no troço sozinho. Por isso, virei para trás e fui buscar o meu irmão, que só aceitou voltar a sentar-se a meu lado depois de eu lhe prometer que iria passar a andar mais devagar.

Claro que não fiz nada disso e, como tinha o nº 87, era obrigado a passar três ou quatro carros, por troço, sempre no meio do pó. Acabei a prova em 18º da geral, como melhor estreante… Mas não foi nada fácil, com aquele carro, que não tinha recebido nenhuma preparação especial e estava tal como tinha feito o troféu no ano anterior. De tal forma que, na última etapa, que ligava Viseu ao Estoril, o carro estava preso por arames. E quando digo arames, eram mesmo arames, que uniam a parte da frente à parte de trás. E era uma coisa impressionante, pois o chassis estava partido em dois e a frente passava o tempo a ‘flutuar’ sozinha!

A segunda história passou-se no meu primeiro ano no Troféu [Citroën] AX [GTi, 1992]. Saí de Ponte de Lima, para ir para [os troços de] São Lourenço e Orbacém e, a meio da ligação, o meu navegador, que era o António Abreu, virou-se para mim e disse-me que não tinha as notas dos troços.

Então, pelo rádio pedi ao [João] Anjos – eu andava com o carro dele – para nos ir levar as notas ao princípio do troço, mas ele disse que já não havia tempo e então decidimos partir mesmo sem notas.

No início do troço, existia uma parte em que o público estava todo de um lado e o Abreu, para as pessoas não perceberem que ele estava sem notas, pegou num caderno e pô-lo nos joelhos, como se estivesse a ditar.

Irritado, atirei-lhe o caderno para o chão do carro, mas ele conseguiu chegar ao caderno e voltou a pô-lo no colo e eu voltei a atirá-lo ao chão. Isso foi no ano em que, no Sopete, o [José Carlos] Macedo teve um grande acidente, na zona do Cerquido. Então, na parte final do troço, o Abreu, com o ‘stress’, só dizia ‘Esta é a curva do Macedo, esta é a curva do Macedo’. Eu passava e ele dizia: ‘Não, não era esta, é esta agora!’ ‘Esta é que é a curva do Macedo’ A certa altura, eu, farto de ouvir aquilo, disse-lhe que, se ele não sabia qual era a curva do Macedo, então o melhor era calar-se de vez. E ele calou-se… e lá passámos, a fundo, a curva do Macedo, que ele sabia qual era, é verdade, mas desde que tivesse as notas consigo!

Em 1998, com o [Peugeot] 306 Maxi, eu estava à frente, no ano em que veio a equipa oficial da SEAT, com o [Harri] Rovanpera e o Oriol [Gómez]. Saímos da assistência, em Amarante, em direção a Viseu, para o troço de Vila Nova de Paiva, um troço longo e muito duro, junto ao aeródromo e que o Rovanpera já tinha ganho. Antes da partida, cheguei à beira dele e disse-lhe: ‘Agora, vou ‘dar-te’ três minutos!’ Então, ele arrancou feito louco… mas, logo a seguir, mesmo antes de eu partir, o troço foi neutralizado e, nas calmas, segui até ao final. E lá esteve o Rovanpera, à minha espera, furioso. Mal cheguei, foi ao pé de mim e disse-me logo: ‘Fizeste de propósito! Tu já sabias que o troço ia ser neutralizado! E eu vim por aqui fora, todo doido, a partir o carro todo e tu vieste atrás de mim, a poupar o teu!’ Claro que isso não era verdade, eu não sabia de nada, tive foi sorte de [o troço] ter sido neutralizado antes de eu partir.

A outra história passou-se também nesse mesmo ano. Ainda estava com o [Peugeot] 306 Maxi. Nos reconhecimentos de Arganil, estávamos todos parados, em fila, antes do troço, à espera que o pó baixasse, para arrancarmos. Então, apareceu o Colin McRae que, sem se deter, passou por nós que nem uma flecha e seguiu troço fora, como se não fosse nada com ele. Eu não gostei daquilo e fui atrás dele. Só que ele estava com um Subaru Impreza e eu com um [Peugeot] 306 GTi e, quando cheguei ao final do troço, já ele lá estava, sentado a almoçar com os mecânicos, Enraivecido, dei-lhe um banho de pó e parei. Então, ele veio ter comigo, todo chateado, a clamar que era uma falta de respeito, isto e mais aquilo. Eu perguntei-lhe o que ele achava que tinha feito lá atrás, se isso não uma falta de respeito, passar pelos outros pilotos todos. A resposta dele foi que não havia nenhuma razão para estarmos lá parados… Depois disso, fizemos mais alguns ralis juntos, mas nunca mais lhe falei. Ao contrário do irmão [Alistair McRae], que estava nesse ano na Hyundai e que era cinco estrelas… e com quem falei sempre.”

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