Pedro Chaves e a experiência de mais de 20 anos de corridas


De todos os pilotos que descobriram o verdadeiro mundo das corridas de automóveis depois de se terem sagrado Campeões Nacionais de Fórmula Ford, Pedro Matos Chaves foi, inquestionavelmente, o mais experiente. Começou em Portugal, esteve na Europa, na América e doze anos depois de emigrar regressou novamente ao seu país para continuar a correr.

Do muito que viveu guardou um manancial de conhecimentos inestimável mas também uma grande mágoa por ver que no seu Portugal ainda havisa muita coisa que não evoluiu ao nível das estruturas.

Ao fim de mais de 20 anos de carreira nos automóveis, passando por competições tão distintas que vão do kart à Fórmula 1 e conhecendo experiências “magníficas” no seio das corridas americanas, dos GT’s, Superturismos e até ralis, era natural que Pedro Matos Chaves soubesse bem aquilo que dizia. E porque aqui no AutoSport temos a certeza disso é que, há 20 anos, fizemos esta entrevista na esperança de que ela pudesse ser um pequeno contributo para a evolução do nosso desporto automóvel.

Basta tão só e apenas que os seus responsáveis conseguissem reter alguma coisa…

Passaram 20 anos do dia em que esta entrevista foi pela primeira vez publicada, pelo que será interessante perceber o que mudou. E se foi para melhor o pior…

Então aqui fica, não se esqueça que foi feita há 20 anos…

Viver ano a ano

Como qualquer jovem que pretende ir longe no desporto automóvel, Pedro Matos Chaves começou a sua carreira no karting. De uma forma um tanto amadora “pois não havia o profissionalismo que há hoje, era eu e um amigo que preparávamos o kart, ao passo que agora são equipas profissionais com técnicos estrangeiros”, Chaves conseguiu dar nas vistas lutando contra pilotos mais experientes como Luís Filipe Figueiredo e Silva, por exemplo. E foi justamente o seu maior adversário que um dia mais tarde o convidou a integrar a equipa de Fórmula Ford da Sogrape, numa altura em que Chaves já tinha ganho o Troféu Toyota Starlet com o carro da sua mãe!

Chegado aos monolugares, Pedro Matos Chaves não mais parou de evoluir até se sentar no Coloni de Fórmula 1. Mas o que não deixa de ser curioso é que nessa progressão, nunca houve nenhum planeamento… “A única vez em que tive a certeza do que ia fazer no ano a seguir foi agora nos ralis, em 1998, quando assinei por dois anos. Normalmente, em Outubro ou Novembro, nunca sabia o que ia fazer no ano seguinte e pelos vistos estou a regressar ao mesmo tipo de vida, ou seja, a vivê-la de ano a ano. Felizmente que hoje já tenho mais ou menos uma noção para onde me posso virar, mas em 1987 nem fazia a mínima ideia do que se passava à minha volta quanto mais do meu valor enquanto piloto. Eu ia para uma ‘guerra’ mas não sabia se tinha capacidades de lutar ao mesmo nível quanto mais pensar na chance de ganhar. Hoje em dia, estou muito mais certo de onde me posiciono. Sei que não sou o melhor piloto do mundo mas também tenho a certeza de que não sou o pior e sei que ao entrar numa competição de carros de Turismo não vou fazer má figura. Antigamente era tudo uma incógnita.”

Iguais mas tão diferentes

Hoje, Pedro Matos Chaves já está calejado e por isso preparado para enfrentar melhor as adversidades desta profissão, razão pela qual quando olha para trás não deixa de sorrir perante algumas mudanças que foi observando na carreira de alguns dos seus adversários.

“Realmente, esse é um exercício curioso. Ver como muitas pessoas de valor ficaram para trás, outros evoluíram significativamente e outros ainda seguiram caminhos alternativos e foram aí bem sucedidos, mal se aperceberam que o sonho de chegar à Fórmula 1, afinal, o sonho que todos os que estavam na Fórmula Ford inglesa secretamente guardavam, não era possível de alcançar. Agora, independentemente do sucesso ou insucesso que cada um teve no rumo que deu à carreira, uma coisa é certa, ao longo dos anos e especialmente nas fórmulas de promoção aprende-se a respeitar os adversários. Nem sempre um piloto dá tudo o que tem para dar no primeiro ano e isso não é razão para o ‘queimar’. Repare-se que, neste particular, a imprensa, em especial a inglesa, tem tendência para embandeirar em arco mal um piloto dá um ar da sua graça e logo a seguir, no primeiro momento em que as coisas não correm bem, criticá-lo duramente.”

Por outras palavras, passa-se de bestial a besta num abrir e fechar de olhos…

“Exactamente! E eu sou um dos que já vivi essa experiência, porque já estive na mó de cima e logo a seguir na mó de baixo…”

E como é que se ultrapassa essa situação?

“Sendo muito forte psicologicamente. E histórias sobre estas vivências não me faltam. Lembro-me, por exemplo, quando estava na Fórmula 1 e saía à noite no Porto, havia imensa gente que me abordava para me felicitar mas em 92, as mesmas pessoas viam-me nos mesmos sítios e não me cumprimentavam. A realidade é dura, mas é assim. Por muito que se tente explicar, a vida de um piloto não se resume apenas à sua habilidade para conduzir. Há um sem número de condições e todas elas tão complexas que até a mim me custa às vezes perceber como se pode definir o desempenho de um piloto por aquilo que ele faz em determinado momento.

O que conta, realmente, é a sua capacidade psicológica de resistir a este tipo de vida, por vezes tão cheia de contrariedades e pressões. Quantos brasileiros chegaram a Inglaterra, cheios de valor, com muito dinheiro, e ao fim de um mês não resistiam à falta dos amigos, da boa comida e do sol, não conseguindo materializar em resultados as suas capacidades.

Mais do que a habilidade a cabeça é que manda. O James Hunt dizia que admirava o Niki Lauda pela sua vontade férrea de ganhar, mais do que jeito ou talento, ele tinha uma perseverança notável.”

O corpo e a mente

A componente psicológica é, de facto, muito “sui generis”. Não só por aquilo que pode trazer de bom ao mau durante uma corrida, mas também no após quando, entre coisas, há que, por exemplo, encontrar a vontade necessária para se estar horas a fio num ginásio a desenvolver toda a massa muscular para que o corpo possa resistir às exigências próprios da competição e do carro que se conduz.

“Aquilo que eu passei quando dei o salto da Fórmula Ford para a Fórmula 3000 é paradigmático. Simplesmente não estava preparado para o esforço que me foi exigido. O meu corpo estava preparado para guiar um Fórmula Ford porque fazia 28 corridas por ano e 30 testes. O facto de passar a vida dentro do carro, nessa altura, não me obrigava a ir para um ginásio uma vez que os músculos estavam preparados para o esforço. Mas isso é o que acontece quando se está sempre a guiar, como é o caso da Fórmula Cart onde pilotos como o Paul Tracy ou o Michael Andretti se dão ao luxo de não fazer ginástica porque têm a massa muscular que é necessária para conduzir, perfeitamente desenvolvida. Na Fórmula 3000, quando lá cheguei, nada disto acontecia, como não acontece hoje. As corridas são apenas 10 por ano e testes quase que não existem. Naquela altura, só me apercebi de que tinha de ir para um ginásio quando apanhei um choque ao ver que a cabeça quase que me saía do corpo nas curvas! Só que, como o tempo não pára, fazer em três meses aquilo que se calhar devia ter feito num ano não pode dar bons resultados e por isso fui altamente penalizado.

De qualquer forma, de entre todos os vectores que norteia a competição automóvel, parece-me que a preparação física é uma plataforma para a qual qualquer piloto está sintonizado.”

Mas outras há, actualmente, que facilitam em muito a vida de um piloto e que são sobejamente conhecidas, ao contrário do que se passava na altura em que Pedro Chaves começou a “descobrir” a alta roda da competição automóvel.

“Hoje em dia, um jovem piloto que queira evoluir rapidamente tem à sua disposição ensino especializado para todas as áreas em que ele se irá movimentar. Técnica, informática, marketing, relações públicas, dicção, tudo! E não há melhor país para se perceber esta realidade do que os Estados Unidos da América. Eles são capazes de pegar num piloto tímido, apagado, sem interesse para um patrocinador e virá-lo do avesso. Lá, tem que se trabalhar muito mais do que guiar simplesmente. Basta pensar, por exemplo, que um dia de chuva numa oval não significa que os pilotos se vão embora para o hotel porque não podem correr. Nada disso. Têm de ficar na pista e conviver com os fans, têm que se mostrar, dar entrevistas, em suma, dar retorno a quem investe neles.”

Tudo muito simples na América

A passagem pelos Estados Unidos da América foi um dos momentos mais marcantes na carreira de Pedro Chaves e por isso quando se toca no assunto, a conversa flui com exemplos que a Europa deveria tentar seguir nalguns aspectos.

“A América marcou-me pela simplicidade e objectividade de como tudo funciona, ao contrário de Portugal onde tudo funciona à custa de muitas discussões mesquinhas.

Uma vez, a passarmos a fronteira para o Canadá, perguntaram ao patrão da equipa para quem eu corria, o que é que ele fazia na vida. E a resposta foi esta: pertenço ao ‘entertainment business’. As corridas na América são um espectáculo e o campeonato uma tournée como se de um espectáculo musical ou circense se tratasse. O espantoso disto tudo está, realmente, na simplicidade como as coisas são encaradas. Há determinado número de pessoas que vive daquele espectáculo e como tal são eles que ditam as regras de acordo com os interesses de cada um mas sempre sem conflitos. Ali, toda a gente trabalha para todos ganharem dinheiro.

Agora, quando se diz que na América não há tecnologia, isso é falso. A tecnologia é controlada por forma a que todos tenham acesso a ela e quando isso não acontece, proibe-se pura e simplesmente o acesso a novas situações.

Depois, é assim, no dia em que os responsáveis pelo desporto automóvel não fizerem bem o seu trabalho, perdem imediatamente espectadores para outras modalidades tão ou mais fortes do que o automobilismo como o futebol americano, o baseball ou o basquetebol.”

A “desorganização” portuguesa

Doze anos depois de viajar por quase todos os países da Europa, América e até mesmo alguns asiáticos, Pedro Matos Chaves regressou a Portugal e não ficou parado! Tornou a tirar a licença desportiva para continuar a correr com a mesma alegria e vontade de vencer de sempre.

“Fi-lo e com uma satisfação muito grande. Há fases que atravessamos na vida que têm a sua oportunidade e depois disso há que encarar novos desafios. Quando andei nos fórmulas, tal como tantos outros, tinha o sonho de chegar à Fórmula 1. Eu cheguei lá e percebi o que era esse mundo, ou seja, bastante mais complicado daquilo que eu achava que era quando tinha 14 ou 15 anos. Embora soubesse que tinha a mesma velocidade deles, porque cresci com os Irvine, os Morbidelli e tantos outros, a verdade é que quando se chega ‘lá acima’ há quem seja mais feliz do que outros. É nessas alturas em que nos apercebemos como podem ser ingratas as corridas de automóveis. O desnível técnico é tão grande como grande pode ser o sucesso ou insucesso de nos sentarmos num Williams ou num Prost. Lembro-me como se fosse hoje de estar num teste de Fórmula 1 em Imola e ser passado na recta da meta pelo Senna e o Piquet e ficar a pensar se estaria na mesma corrida! Nunca, em nenhuma categoria, tinha sido passado daquela forma. Enquanto desportista puro, a desilusão que se apanha é enorme e é nessas alturas que nós nos apercebemos como é pequeno o nosso valor de piloto quando confrontado com tudo o resto que nos rodeia.

Mas, porque estamos a falar de desilusões, e para falar concretamente do meu regresso a Portugal, foi também com grande desilusão que percebi como as organizações e a entidade federativa não acompanharam a evolução que algumas equipas e outros tantos pilotos registaram nestes doze anos em que estive fora do país. A televisão ‘cresceu’, a imprensa actualizou-se e estão mais atentas, os pilotos mais profissionais, mas continuo sem perceber porque razão os responsáveis federativos são amadores. As organizações também o são, mas penso que elas poderiam evoluir se a federação lhes facilitar a vida dando-lhes condições. Porque não alargar a excelente medida de facultar os carros de assistência médica a outros sectores, como os sistemas de cronometragem ou as balanças, por exemplo.

Os concorrentes andaram a 200 à hora e a Federação a 60, daí o desequilíbrio que origina tantas reclamações. Estou convencido que muitas das coisas que falham se devem ao facto da Federação não definir regras concretas para os organizadores. Os concorrentes têm regras e são fortemente penalizados, mas do lado das organizações não se nota correspondência nas atitudes. E infelizmente, nesta matéria sei bem o que digo, como o pode comprovar o Director Geral da FPAK, por sinal, a pessoa que mais percebe de automóveis dentro da federação, perante as inúmeras situações que já viveu por minha causa. A Federação não pode estar bem com Deus e o Diabo. Tem que estabelecer regras e quem está de acordo segue-as, quem não está sai fora, mas o amadorismo é que tem de conhecer um ponto final, pois não se pode estar a brincar com o dinheiro dos praticantes.”

Estes, os pontos de vista defendidos de uma forma séria e honesta por um dos mais respeitados e credíveis pilotos portugueses. Pontos de vista que certamente receberiam, por baixo, a assinatura de muitos, mas mesmo muitos, praticantes.

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