José Pinto: três anos de saudade


José Pinto deixou-nos há três anos, precisamente em julho. Mas nós por cá, não esquecemos quem tanto deu ao desporto automóvel português. Zé Pinto foi um dos jornalistas que mais fez pelo desporto motorizado em Portugal, a ‘cara’ principal do mítico programa Rotações, da RTP, e mais recentemente do Máquinas. Tinha 70 anos. Foi durante muitos anos, ao lado de Adriano Cerqueira, comentador de Fórmula 1, era um grande apaixonado pelas corridas e ralis, tudo o que tivesse motores e rodas, e um ‘enorme’ contador de histórias. São algumas dessas que aqui recordamos, porque o ‘Zé’ nunca será esquecido.

O DIA EM QUE MARKKU ALEN FOI NAVEGADOR DO ZÉ PINTO

A história é por demais conhecida e tem duas partes. Em 1978, José Pinto, jornalista da RTP que nos ‘dava’, entre muitas outras coisas, o Rotações, foi fazer um co-drive com MarkkuAlén e desmaiou-lhe nos braços. Mas o Zé prometeu ‘vingança’ e ‘ela’ chegou 10 anos depois… ou quase! As histórias passaram-se em março de 1978 e 1988, por alturas do Rali de Portugal. Recordamo-las aqui…

As duas fotos têm exatamente dez anos de diferença. Em 1978, e já depois de ter apanhado valentes sustos com vários pilotos de renome internacional, como Sandro Munari, BjornWaldegaard, AlcidePaganelli, HannuMikkola e Ove Andersson, entre outros, pedi ao vencedor da edição do Rali de Portugal-Vinho do Porto desse ano, MarkkuAlen para dar uma volta no Fiat 131 Abarth, nem que fosse um ou dois quilómetros num qualquer troço de terra. Alen (a Fiat, por intermédio de Silechia) acedeu, Francisco Santos aproveitou a ‘boleia’ e pediu o mesmo ao Jean-Pierre Nicolas, que acabara a nossa prova com um Ford Escort RS 1800. E lá fomos, depois do slalom no Autódromo, para aquele percurso de terra — que nunca mais esqueço (que hoje em dia é em asfalto), entre a Lagoa Azul e Alcabideche, que dá pelo nome de Rio da Mula. O aparato não faltou: vários carros de assistência ‘fecharam’ o trajeto, o Domingos Piedade deu uma ajuda, estabelecendo as ligações, via rádio e o Jorge Gamito, então Relações Públicas, da Fiat, não escondia um certo ar de gozo, como que antevendo o que se iria passar. Os mecânicos italianos, com algumas palmadas de conforto nas costas, foram-me animando… apressaram-se a trocar os pneus slicks por pneus de terra e o Markku com quem não tinha muita confiança, revelou um pouco do seu feitio latino, ajudando-me a colocar os cintos de segurança. O motor roncou ao fim de breves segundos. O polegar da mão direita de Alen ergueu-se e, pronto, lá fui eu, Rio da Mula fora, borrado de medo, suplicando ao pobre do Alen para andar mais devagar, gesticulando ao ponto de lhe agarrar um braço e, pasme-se, partindo um suporte (em aço) onde estava colocado o relógio conta-segundos, na altura utilizado pelo Kivimaki! O resto da história não interessará muito, já que o descrevi, na época, num jornal da especialidade mas, para os mais novos, poderei acrescentar que batemos fortemente num muro (parecia uma bomba, o ruído provocado pelo embate…) e que, no final, caí nos braços do Alen, desmaiado, perante as gargalhadas gerais (contaram-me) dos diversos assistentes. De 1978 para cá tive oportunidade de conviver muito com o Alen em Portugal e no estrangeiro, criei uma amizade curiosa mas, verdade, verdadinha, nunca mais aceitei convites para andar ao seu lado, nem que fosse da porta do hotel para um qualquer ponto 300 metros à frente… E mais: um dia. alguns anos depois do ‘incidente’ no Rio da Mula, julgo que em 1981, em Turim, quando lhe pedi para autografar a foto que ilustra estas linhas, não deixei de lhe garantir que, se pudesse, a brincadeira haveria de ser paga… e de que maneira!

DEZ ANOS DEPOIS… A VINGANÇA!

Vésperas do Rali de Portugal de 1988. A segunda-feira foi dedicada aos treinos da classificativa do Autódromo, em carros cedidos pela organização. Às 7h30 estava um frio de rachar, mas, procurando cumprir deveres televisivos, lá estava, pronto a captar algumas imagens para o Telejornal. Pouco depois chegaram o MarkkuAlen, o MikiBiasion e mais alguns mecânicos da Lancia. Alen dirigiu-se ao Comissário Desportivo, Luís Pinto de Freitas, pedindo-lhe para dar uma volta à classificativa.

Não Markku, só a partir das 8 horas é que abrimos a pista para todos os concorrentes. A única possibilidade é aproveitares uma boleia de José Pinto e, ao lado dele, reconheceres o percurso. MarkkuAlen olhou em volta, fez um gesto ao MikiBiasion e, de peito feito, dirigiu-se para o ‘meu’ carro. (Eu estava sentado ao volante de uma pequena ‘bomba’, com uma cilindrada de • 900 cc, com uma potência de xxx cavalos, muitas velo-cidades (4), travões super (tambor) e não digo mais porque a FISA pode implicar e o primeiro gesto do Mark-mais será homologado!)

“Então, hoje, vou fazer de teu navegador?” É hoje Markku, é hoje que me vou vingar de tudo aquilo que se passou em 1978. Só tenho pena do Miki que nada tem a ver com o nosso ajuste de contas… “Prometes que vais devagar…” Claro, já vais ver. Subi as rotações, estiquei os braços, apertei os cintos e o primeiros gesto do Markku foi levar a mão ao fecho da porta… Lá atrás, o Miki ria-se. Primeira, segunda e terceira (nem o percurso, nem o Markku autorizavam mais…) e lá fomos ver a classificativa, com o bom do finlandês a comandar as zonas mais complicadas, a tecer, inclusive, algumas críticas ao troço do Autódromo do Estoril: — Isto aqui é muito perigoso… aqui se alguém pára, ninguém passa! A volta concluiu-se. Ao meu lado tinham andado, calmamente, o MarkkuAlen e, atrás, o MikiBiasion, que, afinal, acabou por ser o grande vencedor desse Rali de Portugal. Alen, que este ano me pareceu outra pessoa, pela abertura evidenciada no contacto, nomeadamente, com os elementos dos órgãos da Informação, deixou o Seat, riu-se, abertamente, exclamando: “Afinal, o ajuste fica para depois… Mas, olha, enquanto todos pedem para andar ao meu lado, tu foste o único que até hoje me teve como navegador…”

Textos de julho de 2018

A cadeira do “Rotações” será sempre dele

Recordar Zé Pinto. Difícil tarefa, até porque foi um dos responsáveis portodos estes meus anos a comentar corridas. Mais: foi um dos que influenciou o meu gosto pelas mesmas. Não vou cair no elogio fácil. Vou antes contar histórias que vivemos no mundo do quadradinho mágico. O seu “mundo”, tendo ajudado, e muito, a que fosse o meu também.

Sabem que a minha primeira ida à televisão foi ideia dele? Tinha acabado de chegar das 24 Horas de Daytona em 1989. O Zé quis-me no“Rotações” como convidado para falar da prova americana. O nervoso assaltou-me. Nunca tinha visto a televisão “por dentro”. Cheguei à 5 de Outubro e “Mister Pinto” colocou-me à vontade. Lá fomos para o estúdio. Na hora da verdade, lançado a descrever a corrida, naquilo que deixara de ser pergunta/resposta e se transformara num monólogo, troco um nome. Sem pensar, digo: “parem, enganei-me”.Vinda do “Céu”, leia-se régie, ouço uma voz. Era o realizador aos gritos: “porra, isto era para ser live-on-tape”. Hoje sei que tal significa ser gravado como sendo directo. Naquela altura, o raspanete“apenas” me deixou em pânico absoluto. Pensam que o Zé me repreendeu? Com toda a calma do mundo, quebrou o meu (duplo) nervosismo com um “não te preocupes” e recomeçou esse “Rotações” do zero.

Anos mais tarde, voltei para o programa especial do Funeral de Ayrton Senna. A forma como o apresentou, a calma, a sabedoria de não chocar em demasia, foi uma lição.

Depois quis que fosse eu a fazer os directos do DTM quando Ni Amorim estava na Opel. Só lhe tenho a agradecer por ter-me feito descobrir uma enorme paixão.

Um dia, lembro-me tão bem, estava doente em casa e toca o telemóvel. “Estás bom? Olha lá: não queres fazer um texto diferente para um ensaio de um Range Rover? Mas diferente mesmo, ok”. Ter uma peça num programa do Zé Pinto era tal honra que a gripe curou-se num ápice. Lembro-me que metia ópera, surfe, uma família e um cão. Um verdadeiro script, onde não se falava uma única vez de características técnicas. Enviado o texto, cedo voltou a tocar o telefone: “Olha lá: isto está incrível, mas achas que estás onde? Na América? Onde é que pensas que tenho meios para filmar isto?”. Fez-se um longo silêncio dos dois lados da linha. Foi ele que o quebrou com um“mas vou tentar”. A peça saiu com belas imagens porque amava os carros, no seu todo, e as corridas em particular. Eram a sua Musa inspiradora. Os olhos brilhavam, e a voz ainda mais, quando o assunto era o Automóvel no seu todo.

Fui sempre com enorme nervosismo e responsabilidade que me sentei na cadeira do Zé (sim, porque foi e será sempre dele)para apresentar o “Rotações”. E uma responsabilidade igualmente imensa quando comentei Grandes Prémios na RTP, no lugar que fora dele e de Adriano Cerqueira, as “vozes” da narração da F1. Tenho uma mágoa: com o Zé nunca dividi cabine nesses comentários, ao contrário da felicidade de o ter feito com o Adriano. Partiram os dois, mas na minha memória nunca pararam de comentar corridas.

Zé, para fechar, voltas a ser a minha inspiração e “roubo” as tuas palavras:“Até amanhã, se Deus quiser”. Porque amanhã, e todos os outros dias, estarás sempre connosco.

João Carlos Costa

(Comentador Eurosport/Eleven Sports)

Pedro Gil Vasconcelos: “Ó Pinto Malvado”

Em 1991 iniciei um novo ciclo na minha vida. O Rotações estava a precisar de alguém para “trabalhar” o Karting e como eu o estava a fazer no AutoSport, fui convidado para integrar a equipa.

Assim o fiz e assim começaram 13 anos fantásticos, que só se prolongaram por todo aquele tempo porque um senhor acreditou e gostou do meu trabalho. O seu nome é José Pinto e reforço o “é”, pois se é certo que o Zé partiu, é certo também que ele continua vivo no meu coração e no de todos quantos fazemos do desporto motorizado uma paixão.

Recordar o Zé é fácil , difícil é recordar um episódio que defina o Zé. Amigo, apaixonado, profissional, são três palavras que o fazem, mas acho que uma história o faz melhor:O Zé tinha um Fiat Balila e era assíduo participante no saudoso Rali de Pedras d´El Rei. Nesse ano, acho que foi em 1993/4, coube-me a missão de fazer a reportagem daquela prova em que o “chefe” participava e representava a RTP.

Pois bem, lá fui com uma equipa de ENG, ao volante de uma das Toyota Hilux, que a RTP tinha na altura.

O Rali Pedras d´El Rei era um momento de descontração e eram feitas as mais variadas “maldades” entre quem o acompanhava. Depois de vários episódios, que “vitimaram” os meus colegas câmaras, eles acharam por bem vingar-se e à noite carregaram a pick-up com todos os caixotes de lixo do aldeamento.

Cheguei à Hilux, era noite e estava estacionada num local escuro, entrei e arranquei. Os meus colgas tinham uns ares que pairavam entre o “malandreco e o culpado” e rapidamente (acho que primeira curva) entendi o que se passava. Na traseira da carrinha era “só baldes do lixo a saltarem”, por entre curvas e lombas…

Claro que no dia seguinte fui chamado ao chefe e acho que foi a repreensão mais divertida que alguma vez tive na vida.

O Zé era assim: amigo e com a dose de irreverencia necessária.

Talvez essa mesma dose viesse dos tempos de infância, que ele recordava com saudade, quanto contava a história da mãe que sempre que o Zé fazia uma asneira, o perseguia gritando “Ó PINTO MALVADO!”.

Obrigado por tudo, Pinto Malvado.

Luís Caramelo: até sempre, Zé

A vida está sempre a pregar-nos partidas e na semana passada foi a vez o Zé Pinto nos deixar. Jornalista de referência no mundo automóvel, passou pelos mais prestigiados jornais e revistas do país e foi a cara e o principal pivot do programa Rotações da RTP 1, por onde também passaram grandes nomes como o Helder de Sousa ou o Carlos Blanco.

Em jovem lia-o no Volante e depois na Automundo, com inveja e com muita atenção, A sua paixão inicial pelos ralis, juntava-se à minha, até porque nessa altura a F1 dos Stewart e Fittipaldi apenas começava a aparecer na RTP, pelas mãos do grande Adriano Cerqueira ao qual se juntou mais tarde, polivalente como era e afinal, com grande experiência e preparação.

Todos nos lembramos de relatos fantásticos de corridas de F1 – feitas sabe Deus como, frente a monitores colocados contra o sol, sem a fantástica e agora banal telemetria e dados online e mesmo sem ver a pista ou mesmo a… transmissão!

Particularmente lembro-me de transmissões directas do meio dos troços do Rali de Portugal, dentro de cabines de camiões, de programas Rotações gravados… em directo e transmitidos horas depois, de verdadeiras loucuras feitas por essas estradas, para conseguir transmitir tudo, com a qualidade ainda hoje reconhecida.

O Zé Pinto era o grande timoneiro das emissões – depois de ter passado pela rádio, que tal como a nós garantiu a experiência para falarmos o que escrevíamos – juntamente com uma fantástica equipa da RTP, ainda hoje recordada por muitos dos amantes do automobilismo nacional.

Adorava o Markku Alen, era seguidor incondicional do Ayrton Senna, enfim, reconhecia os melhores… e com eles fez reportagens memoráveis, numa altura difícil em que não havia metade dos meios de agora…

Como homem era um doce de pessoa, um amigo do seu amigo, sempre com uma piada interessante para contar, por vezes mordaz nos seus comentários, mas sempre humano e reconhecido, para quem o ajudava.

A Graça e a restante família eram a sua paixão e estiveram sempre à frente das escolhas que tinha de efectuar. Connosco, os seus colegas, era crítico, mas optava sempre por reconhecer a qualidade onde ela existia e fazia-se ouvir quando algo não lhe agradava.

Uma boa almoçarada, resolvia habitualmente uma (rara) crise de mau humor.

Não é assim que o quero recordar. Rimos muitas vezes juntos – não tantas quanto provavelmente eu ou ele queria, mas quero contar-vos uma história que revela, o quão satisfeito acordava e a felicidade que irradiava logo que nos encontrava…

Numa viagem a Newcastle para visitar uma fábrica da Nissan, os jornalistas convidados pelo Entreposto, juntaram-se no aeroporto da Portela, antes da partida. Eram de todos os OCS, eu ia pelo AutoSport e o Zé pela RTP. Ia um outro jornalista de outro OCS, que tinha um hábito, estranho, mas era assim… cheirava tudo; Desde a colher, ao pacote de açúcar, à revista, à página do jornal, enfim… era assim!

Acabado de chegar o Zé começou a distribuir abraços e beijos a quem estava e virando-se para o companheiro, diz-lhe:

Oh M…… já cheiraste o bilhete?

Para a Graça um enorme beijinho e para a restante família as minhas condolências a todos.

Devias ter ficado mais tempo Zé. Bem hajas por tudo e até sempre!

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