Lembra-se de: Como se ‘entrega’ um campeonato na Fórmula 1

Por a 21 Julho 2017 10:49

Hoje em dia a McLaren anda pelas “ruas da amargura” pelos motivos que todos conhecemos, mas há dez anos a época de 2007 da McLaren ficou marcada por uma enorme guerra interna, que ‘entregou’ à Ferrari um título que em condições normais a McLaren ganharia facilmente. Na altura chamamos-lhe “Os erros fatais da McLaren”. Vamos recordar tudo o que aconteceu…

Quando Ron Dennis comprou o contrato de Kimi Raikkonen à Sauber por 25 milhões de dólares, no final de 2001, prometeu ao jovem finlandês que faria dele Campeão do Mundo. Pois bem, foi exatamente isso que Ron Dennis fez, em Interlagos 2007, o inglês cumpriu a sua promessa, entregando de bandeja o título ao seu antigo piloto, no final duma temporada em que a McLaren errou de mais e desperdiçou todas as hipóteses que teve de vencer o Mundial de Pilotos, quer com Hamilton, quer com Alonso. Kimi Raikkonen venceu o Mundial de F1 com todo o mérito. Ganhou seis Grandes Prémios, contra quatro de Hamilton, outros tantos de Alonso e três de Massa, mas também abandonou por duas vezes e só marcou um ponto no Mónaco, depois de ter comprometido as suas possibilidades com um erro na qualificação. Em 30 pontos possíveis marcou apenas um, mas acabou por recuperar com um final de temporada em grande, em que venceu três das últimas quatro corridas, marcando 36 pontos em 40 possíveis. Mas nem o finlandês nega que, para além de ter feito tudo o que estava ao seu alcance na parte final do Mundial, também contou com as falhas da McLaren, pois a equipa inglesa errou que se fartou a partir do Mónaco e ainda mais depois do que se passou na qualificação para o GP da Hungria. Para quem tem a mania da perfeição, Ron Dennis teve uma temporada para esquecer, pois confundiu o acessório com o essencial, cometeu diversos erros tanto estratégicos, como de gestão e de comunicação e acabou por entregar o título de bandeja a Raikkonen, quando já nem o nórdico contava com isso.

O primeiro grande erro

A Temporada estava a correr de feição à McLaren quando se chegou ao Mónaco e o resultado final, com Alonso em 1º e Hamilton em 2º, deixou os dois pilotos na frente do Mundial empatados com 38 pontos, contra 33 de Massa e 23 de Raikkonen. Mas ao permitir que Hamilton utilizasse a imprensa britânica numa primeira campanha contra Alonso, Ron Dennis errou e começou a alienar o espanhol, que já tinha dúvidas quanto ao empenhamento da equipa na candidatura ao título. Com Raikkonen atrasado, só Massa poderia incomodar os McLaren. Por isso, de cada vez que o brasileiro reabasteceu, a equipa inglesa antecipou as paragens de Alonso e Hamilton – com o espanhol a reabastecer sempre antes do seu companheiro de equipa – para se proteger contra uma eventual entrada em acção do Safety Car. Hamilton sentiu-se lesado, pois pararia sempre algumas voltas mais tarde que o espanhol, começou logo nas conferências de imprensa a dizer que não o tinham deixado ganhar e a agressiva imprensa inglesa foi à procura de explicações junto de Dennis.

Ao inglês bastaria ter dito que os interesses da equipa eram mais relevantes que os interesses de qualquer dos seus pilotos; que as decisões que tinham favorecido Alonso – que teria sempre de parar algumas voltas antes de Hamilton – poderiam favorecer, noutra corrida, o jovem estreante; e também teria de deixar claro que o espanhol também antecipou em muito as suas paragens, para mostrar que não era só Hamilton que perdera a oportunidade de explorar a sua estratégia ao máximo. Mas não foi isso que Ron Dennis fez. Nunca falando na estratégia alterada de Alonso – o que deixou o espanhol com a sensação que não tinha sido protegido face ao ataque da imprensa inglesa – o patrão da McLaren defendeu de forma ligeira as suas opções e preocupou-se mais em defender Hamilton, afirmando compreendê-lo, dando ao seu jovem piloto a mensagem de que tinha carta branca para dizer o que quisesse. Foi aqui que começaram as divisões no seio da McLaren e mesmo se os resultados continuaram a ser positivos, a semente da discórdia já estava plantada dentro da equipa de Woking.

Prejudicar os dois por igual

Depois do que se passou no Mónaco, a McLaren decidiu passar a mandar os seus dois pilotos para a terceira qualificação exatamente com a mesma quantidade de gasolina no depósito, para ser o mais justa possível, segundo Ron Dennis. Foi um erro clamoroso, que prejudicou tanto Alonso como Hamilton até a McLaren voltar atrás, durante o GP da Grã-Bretanha, onde o inglês se qualificou com menos gasolina que os seus rivais para garantir a “pole”. Ao qualificarem-se com a mesma gasolina – e excetuando o caso de França onde Alonso perdeu muito tempo atrás de Heidfeld e foi possível reabastecer os dois pilotos na mesma volta! – quem perdeu na qualificação para o seu companheiro de equipa ficou condenado a efectuar a primeira parte da corrida com mais gasolina do que necessitava – pois teria de parar uma volta antes do que seria ideal – andando com cerca de 2,5 quilos a mais durante cerca de 20 voltas. Em média aquele peso corresponde a uma perda de 0,15s por volta, o que fez o derrotado da qualificação perder em média três segundos até ao primeiro reabastecimento. E isso acabou por ter influência nos seus resultados finais. Esta decisão salomónica da McLaren mostrou que mais do que prezar a igualdade de tratamento, Ron Dennis não teve capacidade para se impor face a Alonso e Hamilton, optando por… não decidir. A partir daí era o cronómetro que decidia, o que teria sido muito bonito se a McLaren estivesse numa situação de grande superioridade, como em 1998, mas foi um erro tremendo face à ameaça da Ferrari. A não ser que a sobranceria do inglês se tenha sobreposto ao seu sentido de justiça, dando-lhe a falsa impressão que o Mundial estava garantido e que, por isso, os seus pilotos poderiam decidir entre eles as vitórias em todas as corridas…

Pilotos fora de controlo

O Mau ambiente no seio da McLaren já era evidente quando a qualificação decisiva do GP da Hungria abriu a brecha definitiva no seio da equipa inglesa. Hamilton recusou-se a cumprir o combinado e não deixou Alonso arrancar na frente das boxes, o espanhol nem tentou a ultrapassagem, optando logo por poupar gasolina e, depois, “tramou” o inglês na segunda paragem nas boxes, impedindo-o de efectuar uma última volta lançada. Aqui ficou à vista que Ron Dennis tinha perdido o controlo dos seus pilotos. Nem Hamilton obedecia às suas ordens, nem Alonso cumpria o que lhe mandavam fazer. À força de verem o “patrão” a optar pela neutralidade absoluta, os pilotos decidiram resolver as coisas por si próprios e a “ajuda” da FIA, que decidiu imiscuir-se num assunto interno da McLaren, foi o golpe fatal para a Alonso, penalizado, de forma absurda, em cinco lugares na grelha de partida, logo numa pista onde as ultrapassagens são quase impossíveis.

A sua causa não foi ajudada pela má estratégia da McLaren, mas o quarto lugar final significou apenas a perda de um ponto face ao que era possível a partir do sexto lugar da grelha: o terceiro posto, depois do abandono de Felipe Massa. Quatro dias depois da corrida magiar o espanhol já estava em Roma na companhia de Luca di Montezemolo, acautelando o seu futuro, sentindo-se pouco apoiado na McLaren, face a Hamilton e acreditando que, mesmo sem ter estatuto preferencial na Ferrari, ao menos poderia lutar com armas iguais contra Raikkonen, a partir de 2009.

Marcar o adversário errado

A forma como Lewis Hamilton acabou por abandonar o GP da China deixou à vista duas realidades pouco abonatórias para a McLaren: das declarações de Ron Dennis percebeu- se que o objetivo da equipa era dar o título a Hamilton, pois o patrão da McLaren deixou bem claro que nem estavam a seguir Raikkonen, mas sim a marcar Alonso; por outro lado, nem essa marcação foi bem feita, pois a McLaren deixou Hamilton ficar sem pneus traseiros, atrasando muito o que teria sido uma chamada urgente às boxes para colocar pneus para piso seco. É evidente que quando o inglês ficou em dificuldades com os pneus intermédios, por ter atacado a fundo depois do primeiro reabastecimento, caiu um chuvisco sobre a pista de Xangai, mas bastava olhar para os pilotos que já tinham pneus para piso seco para ver que estes funcionavam minimamente apesar da pista ainda estar molhada.

Nas duas voltas que precederam a sua chamada tardia às boxes – onde acabou por nem entrar por se ter despistado – Hamilton perdera 4,1s para Felipe Massa, que rodava com pneus para piso seco, 5,8s para Wurz, 9,5s para Button e 10,8s para Kubica que tinham pneus idênticos aos do brasileiro! De que é que a McLaren estava à espera para o fazer entrar nas boxes, quando Hamilton tinha 15,5s de vantagem sobre Alonso e os pneus traseiros em visível estado critico? Se Hamilton pode defender-se com a falta de experiência nestas condições e por não ter acesso aos tempos que os outros estavam a efetuar, a McLaren não tem desculpa possível, já que tudo isto custou um segundo lugar fácil ao seu piloto e, claro, o título mundial.

Como morrer na praia

Não foi só Lewis Hamilton que se enervou em Interlagos. O inglês errou ao tentar discutir a 3ª posição com Alonso na primeira volta, perdendo cinco posições com um ligeiro despiste, mas foi o problema com o comando electrónico da caixa de velocidades que o fez perder o contacto com os primeiros, caindo para a 18ª posição, depois de ter perdido 29s enquanto o problema não se resolvia, quando reiniciou o sistema pela segunda vez. Sabendo que Raikkonen iria, forçosamente, bater Massa no final da corrida, a McLaren tinha de assegurar que o seu piloto iria recuperar até ao quinto lugar. Quando Hamilton parou no final da 22ª volta, era já evidente que os lugares atrás dos três primeiros iriam ser discutidos por Rosberg e pelos dois pilotos da BMW, pelo que era estes que a McLaren tinha de controlar. Nessa altura Hamilton estava a 23,8s de Heidfeld, a 21,5s de Rosberg e a apenas 9,8s de Kubica, que já parara uma vez e estava, claramente, numa estratégia com três reabastecimentos.

Faltavam 49 voltas para a corrida terminar e o inglês tinha de ganhar 0,5s por volta aos dois alemães para os bater, o que a julgar pelo andamento demonstrado até aí – efetuara as últimas quatro voltas em tempos entre 1m13,2s e 1m13,9s enquanto os seus adversários andavam entre 1m14,0s e 1m14,7s – não deveria ser muito problemático. Mas a McLaren quis inventar, colocou Hamilton numa estratégia com três paragens sem que isso o fizesse ganhar qualquer posição na primeira paragem. Deixou-o foi mais perto de Barrichello e Vettel, o que lhe custou um total de sete voltas no tráfego e com apenas sete voltas de pista livre antes do segundo reabastecimento.

Uma estratégia normal tê-lo-ia deixado longe daqueles dois pilotos para não os apanhar antes deles reabastecerem e com pista livre para recuperar terreno face aos três pilotos que lhe interessavam e dos quais tinha de bater dois. O resultado final foi que Hamilton acabou na sétima posição, a 7 s de Heidfeld, a 7,5 de Kubica e a 15,5s de Rosberg, depois de ter recuperado em 48 voltas – foi dobrado e não efectuou a última volta – apenas seis segundos em relação ao alemão da Williams, 16,8s em relação ao da BMW e só 2,3s face a Kubica. Os seus tempos por volta deixam à vista que bastava uma estratégia normal para bater os dois BMW e, tentar passar Rosberg nas últimas voltas o que em Interlagos não seria muito difícil.

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12 Comentários
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MiguelCosta
MiguelCosta
6 anos atrás

Bom artigo, mas faltam algumas nuances, por exemplo o porquê da preferência do Ron Dennis por Hamilton em detrimento do Alonso, o fato do Hamilton namorar com a filha dele na altura. Certo é que o Alonso tinha aquele feitio de ser o rei por onde andava e o Hamilton não se vergou. 2007 o pior ano da McLaren moderna a nível de gestão quer de corridas quer de Recursos humanos, Ron Dennis que fazia questão de mandar e controlar tudo, deixou a equipa partir-se em duas, com isto o Kimi consegue o título mais improvável deste século na F1,… Ler mais »

*RPMS*™
6 anos atrás

Recordo-me desse Gp da China e das declarações da Ron Dennis a dizer que a equipa corria contra Alonso.
Acho que nunca tinha ouvido antes um chefe de uma equipa dizer isso de um piloto seu e nunca voltei a ouvir depois, pelo que essas declarações foram das coisas mais surreais que já pude assistir na história da F1. Cumprimentos

Pascassio
Pascassio
Reply to  *RPMS*™
6 anos atrás

Mas mesmo assim, o Alonso voltou para ele…

*RPMS*™
Reply to  Pascassio
6 anos atrás

Isso também é verdade e deve ter sido a pior coisa que Alonso fez na sua carreira. Cumprimentos

noteam
noteam
6 anos atrás

Lembro-me que na altura se tentou a todo o custo fazer um remake da batalha Prost/Senna, não é preciso nomear quem é quem. Em 2007, toda a gente estava apaixonada pelo “Senna negro”, e na verdade não havia como não estar.Para além de um verdadeiro fenómeno em pista, o Hamilton sempre foi (continua a sê-lo) muito hábil fora de pista, na altura com a equipa maioritariamente composta por ingleses e liderada por alguém que lhe pagou literalmente a carreira, o conto de fadas tornou-se realidade e o estado de graça ainda perdurou durante mais algum tempo.O Alonso que sempre teve… Ler mais »

*RPMS*™
Reply to  noteam
6 anos atrás

Muitíssimo bem escrito! Cumprimentos

Frenando_Afondo™
Frenando_Afondo™
Reply to  noteam
6 anos atrás

Eu também me recordo do Alonso ter bloqueado o Hamilton na qualificação de um GP, bloqueio esse que lhe valeu uma penalização, penalização essa que lhe roubou “aqueles” pontos que o fariam ser campeão. Para um piloto que era tido como cerebral e calculista, muito superior ao “fraco psicologicamente” que tanto acusaram Hamilton de ser. Alonso falhou e muito nessa época no campo da frieza mental, recorrendo a tácticas que apenas o fizeram perder o titulo. Em vez disso preferiu lançar rumores que o pai do hamilton era um malvado e que lhe andavam a mexer na pressão dos pneus… Ler mais »

Pascassio
Pascassio
Reply to  Frenando_Afondo™
6 anos atrás

Massa, interiorizou o seu papel de segundo piloto! Quantas vezes bateu os companheiros,no campeonato,dês que chegou à F1? Teve uma boa carreira, porque foi gerida pelo filho do Jean Todt!

*RPMS*™
Reply to  Frenando_Afondo™
6 anos atrás

Esse episódio está retratado no artigo na sua versão real. A versão made by frenando_afondo é ligeiramente diferente da versão verdadeira mas isso também é normal. Cumprimentos

can-am
can-am
6 anos atrás

Foi o campeonato mais trafulhado da História.
Era lá possível um rockie e ainda por cima negro ganhar o mundial à primeira.
A FIA da vergonha “decidiu” esse campeonato com toda essa história triste e mal contada das fotocópias etc,para o lado da Ferrari pois então.
Porque ganhar campeonatos como o que a Ferrari “ganhou” nesse ano é triste e não fica bem.
Por essas e por outras é que a Ferrari tem um histórico de relevo e obra feita na arte de “ganhar” campeonatos !
O Lewis coitado viu ser-lhe furtado um titulo mundial. Apenas isso.

noteam
noteam
Reply to  can-am
6 anos atrás

O Hamilton na verdade perdeu o título porque cometeu demasiados erros infantis, fruto da sua inexperiência. Brasil ou China? Isso traz-lhe alguma lembrança? Apesar de ter sido regularmente o mais rápido, acabou por cometer erros imperdoáveis que lhe roubaram o título.

Fernando Cruz
Fernando Cruz
6 anos atrás

Na primeira metade de 2007 a McLaren teve um carro claramente superior à Ferrari em 3 GP seguidos (Mónaco, Canadá e EUA), dando a impressão de que acabariam por ganhar o Mundial mesmo sem definirem um primeiro piloto. Acontece que a Ferrari acabou por ser superior na maioria das provas (pelo menos nas 6 ganhas por Raikkonen e nas 3 ganhas por Massa) e somando-se isso ao jogo mafioso de Max Mosley (com a questão mal contada das fotocópias) para prejudicar Ron Dennis, acabaram por perder o Mundial. Mesmo assim Hamilton e Alonso marcaram apenas menos 1 ponto do que… Ler mais »

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