Eddie Irvine: Um ‘playboy’ que passou pela Fórmula 1

Por a 5 Abril 2023 15:08

De língua afiada e politicamente pouco correto, Eddie Irvine marcou a diferença numa F1 insonsa e sem brilho. Os seus óculos escuros escondiam uns olhos gozões e, por baixo das suas melenas encaracoladas de “puto” bem com a vida, escondia-se um talento que, mesmo sem ser inaudito, era explosivo o suficiente para lhe permitir ter sido um segundo piloto acima da média.

Filho de um antigo piloto amador, Edmund, Eddie – que tem o mesmo nome do pai – teve o seu primeiro cheiro a gasolina queimada nas pistas quando um dia foi de férias com a família até Silverstone, onde se corria o GP da Grã-Bretanha. Estreou-se com 18 anos, com um Fórmula Ford e a sua própria equipa. De progressos algo lentos, os seus melhores resultados surgiram quando, em 1987, foi convidado para piloto oficial da Van Diemen. Nesse ano, venceu os campeonatos ESSO e RAC de FF 1600, os dois mais importantes da modalidade, além dos FF Festival, em Brands Hatch, então uma espécie de “campeonato do Mundo” dessa competição. Nesse ano, sempre com a Van Diemen, foi vice-campeão no BBC FF 2000.

Estes resultados levaram-no, no ano seguinte até à F3, com

a West Surrey Racing, terminando o campeonato britânico em 5º lugar para, em 1989,

se estrear na F3000, com a Pacific Racing, competição onde fez um segundo ano

em 1990, já com a Jordan (foi 3º). E foi a Jordan que o levou à F1, em 1993,

depois de três anos na F3000 japonesa, com a Cerumo, onde conquistou três

triunfos – um por época, sendo vice-Campeão em 1993.

Na F1, a sua melhor temporada foi a de 1999 – o único ano

na Ferrari em que foi um verdadeiro “primeiro piloto” e não teve de trabalhar

para Michael Schumacher que, para escândalo de uns tantos, algumas vezes o “humilhou”,

como por exemplo na primeira prova desse ano, na Austrália, que venceu; ou no

início da temporada de 1997, em que chegou a ter mais pontos que o alemão.

Claro que isso – ser primeiro piloto- só sucedeu depois do

acidente de Schumacher, mas então a equipa apostou em força nele acreditando

que tinha talento suficiente para dar e vencer o título. Mesmo com o seu amigo

Mika Salo – que substituiu Schumacher – a ajudá-lo, a certa altura a Ferrari

percebeu que não iria conseguir bater Mika Hakkinen, pois o irlandês não

mostrava capacidades para evoluir o F399. E, quando David Coulthard e Heinz-Harald

Frentzen se juntaram a Hakkinen na corrida ao título, a Ferrari teve que chamar

de volta um Schumacher ainda sem estar a 100%. Salo saiu, Schumacher assumiu

com galhardia o papel de escudeiro (segundo piloto) de Irvine. A sua ajuda

permitiu ao irlandês chegar à sua pista favorita, Suzuka, onde se jogava o título,

na frente da classificação. Mas isso foi insuficiente.

Depois, quando perdeu o título e percebeu que nunca mas iria

voltar a ser primeiro piloto, tendo que, em 2000, continuar a trabalhar para

“Schumi”, Irvine bateu com a porta e entrou na neófita Jaguar. Mais maduro,

Ervine teve em 2001 um gesto que quase o conciliou com os seus inúmeros detratores,

que o desprezavam pelo seu mau feitio: em Spa, saiu do seu Jaguar e correu para

o Prost de Luciano Burti, quando este se despistou com violência, ajudando-o a

sair dos destroços e, quiçá, salvando-o de males maiores. Na verdade, o único

local onde era quase idolatrado era na Itália, onde viveu vários anos e cuja

língua dominava.

Rico e “bon vivant”,

em 1988 conheceu no GP de Macau aquela que durante anos viria a ser a sua

namorada, Maria Drummond e de quem teve a sua única filha, Zoe. O nascimento desta

foi, segundo Irvine, o “melhor momento” da sua vida, apesar de assumidamente não

gostar muito de crianças.

Eddie Irvine, que nunca se considerou um “playboy”, afirmando que o trabalho sempre foi “90%” da sua vida, saltitou de coração em coração, depois de deixar a Drummond. Entre os seus muitos casos, o mais mediático foi o que teve com Pamela Anderson. Em 2006, foi considerado como a quinta pessoa mais rica na Irlanda. Verdadeiro “show man”, foi autor e apresentador de alguns programas na rádio e TV, tipo “celebrity show”, como um no Sky One, em que duas equipas de pilotos célebres competiam uma contra a outra. Uma dessas equipas era capitaneada por David Coulhard. O último desses programas foi em 2010, um “talk show” de meia hora na TalkSport Radio, chamado LG Grand Prix Show, lado a lado com o apresentador Andy Goldstein.

Vice de Mika Hakkinen em 1999

A oportunidade pedida

O ano de 1999 foi, para Eddie Irvine, o da oportunidade

perdida. Oportunidade de ser Campeão do Mundo, no que seria o regresso da Ferrari

aos títulos mundiais de Pilotos, 20 anos depois do último, em 1979, com Jody

Scheckter.

Nesse ano, Irvine teve tudo do seu lado – até um fortuito acidente

de Michael Schumacher em Silverstone, em que o alemão quebrou uma perna, ficando

afastado das pistas durante seis corridas e eventualmente do seu terceiro título

de Campeão do Mundo e primeiro com a marca de Maranello. Todas as portas foram

então abertas para que Irvine “sucedesse” ao seu colega de equipa. Só que nem

sequer a ajuda que este lhe deu ao regressar na Malásia, declaradamente para o proteger

no seu caminho para o título, foi suficiente. Afinal, nem todos os pilotos, mesmo

com as melhores armas a seu dispor, têm estofo de campeões: Irvine, declaradamente,

não tinha!

Vencedor nas duas provas seguintes ao acidente de Schumacher – em que ele mesmo foi 2º- os GP da Áustria e da Alemanha, Irvine foi depois 3º na Hungria e 4º na Bélgica, assumindo a liderança do campeonato e tornando-se um improvável e inesperado candidato ao título. O seu principal rival era Mika Hakkinen. Em Monza, recolheu apenas um ponto, mas o finlandês desistiu e, em Nürburgring, onde teve lugar o GP da Europa, ficou em 7º, não pontuando. Com Hakkinen que foi 5º, perigosamente perto, passou a precisar de ajuda para garantir o eventual título de Campeão. Foi então que entrou em cena Michael Schumacher, embora ainda não totalmente recuperado da fratura na perna sofrida em Silverstone. Mesmo assim, na Malásia, Schumacher conseguiu guardar as costas de Irvine, que ganhou, roubando preciosos pontos com o seu 2º lugar pois Hakkinen ficou mesmo atrás. À chegada a Suzuka, tudo parecia bem encaminhado para Irvine, que tinha 70 pontos, mais quatro do que Hakkinen – bastava apenas que este não conseguisse ganhar e, para isso, lá estava Schumacher.

Só que na pista nipónica as coisas não correram nada bem. Logo nos treinos, Irvine sofreu um violento acidente e não conseguiu melhor do que o 5º lugar na grelha, onde Schumacher estava na “pole position”, ao lado de Hakkinen. Mas, na corrida, este assumiu o comando logo no arranque, nunca mas daí saindo. E, mesmo sendo 2º, Irvine já não conseguiria ser campeão, pois o desempate por triunfos seria sempre favorável ao finlandês da McLaren. Só que Irvine nem isso conseguiu ser – terminou no lugar mais baixo do pódio, atrás de Schumacher. E adeus, título! Até nunca! Despedido da Ferrari, entrou então para a Jaguar, saindo da F1 pela porta pequena, três temporadas mais tarde, para se dedicar aos negócios e tratar de enriquecer. Sem nunca deixar de ser aquilo que sempre foi: um “playboy” irritante, para muitos um émulo de James Hunt. Mas sem a mesma classe…

Eddie Irvine condenado a seis meses de prisão

Os ataques do “playboy”

Eddie Irvine foi condenado a seis meses de prisão efetiva, por distúrbios e agressões perpetradas num clube noturno em Milão, em 2008. O ex-piloto não deverá, contudo, dar entrada em qualquer cela prisional, pois irá apelar e, quando o apelo estiver resolvido, já o caso terá prescrevido, o que sucederá em 2015. A cena aconteceu quando terá enviado um piropo à namorada de Gabriele Moretti, um rico “socialite” local, filho de um antigo presidente da Câmara da cidade, quando conversava com ela sentado um sofá e ambos beberricando “vodka-orange”. O VIP não terá gostado do atrevimento do ex-ferrarista e ambos envolveram-se numa cena de pugilato, que terá incluído agressões mútuas com copos de vidro partidos. O caso chegou agora a tribunal, que decidiu de forma salomónica, condenando ambos os intervenientes a penas idênticas. Que não deverão cumprir…

Esta não foi a primeira vez que “Fast Eddie”, como era conhecido enquanto pilotava na F1, se meteu em trabalhos. Hoje multimilionário, depois de bem-sucedidos investimentos imobiliários e em construção naval, a sua fortuna foi estimada em mais de 90 milhões de euros, embora outras fontes garantam que ultrapassa os 200 milhões. Irvine tem uma mansão em Milão, bem como propriedades em Dublin, Miami e New York.

Solteiro, mas pai de um filho, Irvine foi preso em Londres,

em 2006, depois de ter sido apanhado a “pilotar” em pleno Hyde Park, a velocidades

proibitivas, uma… “scooter”, sem ter consigo licença de condução ou sequer

documentos ou seguro do veículo.

Curiosamente, tornou-se uma espécie de herói nacional em Itália, depois da cena no “nightclub” milanês. Desde então, nenhum restaurante lhe cobrou qualquer fatura pelas refeições, pois declararam o irlandês como digno de comer em Itália… à borla e para sempre!

A (outra) cena de pugilato mais famosa da F1

Irvine contra Senna

A primeira foi em 1982 no GP da Alemanha, quando um

irritadíssimo Nelson Piquet – que tinha sido colocado fora da corrida, que

liderava por um retardatário, que estava a “dobrar” – se atirou contra um

esgazeado e surpreso Eliseo Salazar (o infeliz retardatário), dando-lhe

repetidos socos no capacete e empurrando-o várias vezes, até serem separados

pelos comissários no local. A segunda aconteceu nas boxes de Suzuka, já depois

da corrida japonesa, 11 anos mais tarde. E teve como intervenientes Ayrton

Senna e um desbocado e estouvado estreante chamado Eddie Irvine.

Personagem controverso e pouco dado a conveniências ou

atitudes subservientes, Irvine foi convidado pelo seu conterrâneo Eddie Jordan

para pilotar o Jordan 193/Hart V10 #15, que nesse ano já tinha sido pilotado

sucessivamente por Ivan Capelli, Thierry Boutsen, Marco Apicella e Emanuele

Naspetti, nas duas últimas corridas da temporada. O seu colega de equipa era

Rubens Barichello, em início de carreira. Bom conhecedor de Suzuka, porque

estava há dois anos a correr na F3000 japonesa, Irvine fez a oitava melhor marca

nos treinos. Na partida, subiu três lugares, chegando em quinto à primeira

travagem, depois de andar com duas rodas pela relva, sem medos ou melindres.

Mas, logo a seguir, foi posto no seu “lugar” por Michael Schumacher (Benetton),

que tinha feito uma má partida, e por Damon Hill (Williams).

Desde o arranque que Ayrton Senna e Alain Prost estiveram

em luta pela liderança, que continuou mesmo depois da primeira paragem nas boxes

e de começar a chover. Senna, com pneus para chuva, dobrou Irvine, que estava

em luta pelo quinto lugar com Hill, que tinha “slicks”. O brasileiro aproximou-se então do Williams e, quando estava

a procurar a melhor forma de o passar sem levar com ele em cima, foi surpreendido

por uma atrevida manobra de Irvine, que quis “desdobrar-se” à força toda, em plena

curva Degner. Ninguém se tocou, mas a manobra deixou Senna muito irritado.

Depois de a corrida acabar – com Irvine a pontuar logo na

sua prova de estreia, coisa que já não sucedia desde que Jean Alesi tinha sido 4º

em França, no ano de 1989 – Senna dirigiu-se às boxes da Jordan, acompanhado

por Norman Howell, diretor de Comunicações da McLaren e Gorgio Ascanelli, o

engenheiro de Senna. Irvine estava na zona reservada da equipa, sentado a uma mesa,

sozinho. No local, estavam também Barrichello e outros membros da Jordan…

precisamente a assistir a um “replay” do que sucedera entre Irvine e Senna.

Este, quando entrou na sala, não reconheceu Irvine, que pressurosamente o chamou

com um gesto. O diálogo entre ambos foi curto e grosso, com berros, vozes

alteradas e muitos palavrões, em especial por parte do brasileiro que, de cabeça

perdida, chamou várias vezes o irlandês de “fucking

idiot”. Este, com uma calma e uma ingenuidade olímpicas, foi-se desculpando

pelo incidente, deitando as culpas em Hill e, depois, no próprio Senna, acusando-o

de ser o culpado… por não estar suficientemente rápido!

Mas o copo de água transbordou quando Irvine, sem medos ou

complexos de inferioridade, terá ameaçado Senna, dizendo repetidamente “vejo-te

em pista”. O campeão do Mundo, que já se estava a afastar, voltou-se de repente

para trás e, com a mão esquerda, pegou um valente soco na parte direita da cara

de Irvine que, surpreendido e desequilibrado, caiu redondo no chão. A cena… não

foi mas longe, porque Senna foi afastado do estirado piloto, que berrava que o

ia processar enquanto Senna era encaminhado para fora das boxes.

Mas Eddie Irvine não se emendou com a troca de mimos em Suzuka – onde, para lá de se envolver com Senna, tentou atirar por várias vezes para fora da pista Damon Hill, tendo sucesso nestes propósitos quase no final da prova, mas com Derek Warwick! A sua irreverência continuou bem ativa e, em 1994, logo na primeira prova, o GP do Brasil, provocou um acidente múltiplo, que envolveu também o Benetton de Jos Verstappen, o Ligier de Éric Bernard e o McLaren de Martin Brundle. Altamente irritada com a desfaçatez do novato, a FIA resolveu castigar Irvine com três GP de suspensão. Depois disso, apareceu bastante mais calmo e relaxado e não se envolveu mais em problemas ao longo da sua carreira na F1.

Hélio Rodrigues

B.I. Nome: Edmund “Eddie” Irvine Jr.

Nascimento: 10 de Novembro de 1965 (54 anos), Newtownards, County Down, Irlanda do Norte

Atividade na F1: 24/10/1993 – 13/10/2002

Primeiro GP F1: GP Japão 1993

Último GP F1: GP Japão 2002

GP disputados: 148 (147 largadas)

Vitórias: 4

1ª Vitória: GP Austrália 1999

Última vitória: GP Malásia 1999

“Pole positions”: –

Melhores voltas em corrida: 1

Pódios: 26

Pontos: 191

Melhor resultado CM F1: 2º, em 1999 (74 pontos)

Marcas/Equipas: Jordan (1993-95); Ferrari (1996-99); Jaguar

(2000-2002)

PALMARÉS (F1)

1993 – Jordan: 2 GP; 22º CM, 1 ponto

1994 – Jordan: 13 GP; 16º CM, 6 pontos

1995 – Jordan: 17 GP; 12º CM, 10 pontos

1996 – Ferrari: 16 GP; 10º CM, 11 pontos

1997 – Ferrari: 17 GP; 7º CM, 24 pontos

1998 – Ferrari: 16 GP; 4º CM, 47 pontos

1999 – Ferrari: 16 GP; 4 vitórias; 2º CM, 74 pontos

2000 – Jaguar: 16 GP; 13º CM, 4 pontos

2001 – Jaguar: 17 GP; 12º CM, 6 pontos

2002 – Jaguar: 17 GP, 9º CM, 9 pontos

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Lisboa
4 anos atrás

Até hoje não sei o que levou a Ferrari a contratar este indivíduo para 1996 em vez do seu, muito mais rápido colega de equipa, o Barrichello. Foi dos maiores erros de casting da Ferrari 30 anos.

O brasileiro não só teria ajudado o Schumacher a vencer em 97, como quase de certeza teria vencido em 99.

Mas pronto, histórias do último milénio.

*RPMS*™
Reply to  Lisboa
4 anos atrás

Talvez o objectivo fosse mesmo ter alguém que nunca conseguiria fazer sombra ao alemão…

Cumprimentos

Pity
Pity
Reply to  Lisboa
4 anos atrás

Em 97, não sei se o resultado seria diferente, mas que em 99 o Barrichello não perderia a oportunidade de ser campeão, também concordo.

Lisboa
Reply to  Pity
4 anos atrás

Acredito que o facto do Rubens ser mais rápido que o Irvine, isso teria ajudado a roubar pontos em corrida ao Villeneuve.

Em condições normais onde ambos os pilotos terminaram, apenas por uma vez o irlandês ficou à frente do canadiano.

Queiramos ou não, foi só com a chegada do Rubens à Ferrari, que o Schumacher começou a vencer campeonatos e foi com a GRANDE ajuda do brasileiro, sobretudo em 2000 e 2003, que o alemão foi campeão, com o Rubens a roubar por diversas vezes pontos preciosos aos rivais directos do Schumacher.

Pity
Pity
4 anos atrás

Este tipo era mesmo parvo (para não dizer pior). Ainda me lembro das palavras dele quando o Schumacher partiu a perna. Em vez de lamentar o colega, como qualquer pessoa decente faria, disse que o alemão estava sempre a queixar-se que não tinha tempo para os filhos, portanto agora já tinha…

christopher-shean
christopher-shean
Reply to  Pity
4 anos atrás

Multimilionario… portanto parvo não era!

831ABO
831ABO
4 anos atrás

«prescrevido»…

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