Sebring International Raceway: No princípio eram os aviões


Com Daytona e Indianapolis, Sebring é a outra parte da trilogia de grandes pistas norte-americanas. Verdadeiro ícone e um desafio ainda maior, Sebring é o palco de outra das maiores corridas do lado de lá do Atlântico: as 12 Horas. Mas, antes disso, o que lá voou foram aviões de combate.

Verdadeira Meca dos automóveis, a primeira corrida que aí teve lugar foi a 31 de dezembro de 1950, num traçado de 6 km. Foi só a partir de 1952 que acolheu as 12 horas.

Sebring foi construída nas pistas de uma antiga base aérea da Força Aérea. Durante muito tempo ocupada e usada de forma parcial, é hoje uma pista permanente, muito procurada para sessões de testes e corridas locais. A base aérea que lhe deu origem foi montada, nos arredores da cidade de Sebring, na Florida, em 1941, meses antes dos ataques a Pearl Harbor, que empurraram os Estados Unidos para a guerra.

Primeiro apenas composta por algumas pistas e barracões, depressa se transformou num complexo de edifícios e de estradas, tornando-se numa base de treino para equipas de combate aéreo.

Serviu também de base de partida para os grandes bombardeiros B-17 – as célebres Fortalezas Voadoras e isso obrigou à construção de pistas maiores e de mais edifícios. Chamada Hendrick Field, como homenagem a um heróico instrutor local, que morreu num acidente de treinos três dias depois de ter chegado a Inglaterra, para combater na RAF [1º tenente Laird Woodruff Hendricks, 03/06/1916 – 28/07/1941], até ao final da Guerra viu levantarem voo também os B-24 e os B-29, as Super fortalezas.

Depois do conflito, foi desativado e começou por ficar ao abandono, antes de passar a ser propriedade da comuna de Sebring, que o usou com terminal de voos aéreos locais e regionais.

Ao serviço do automobilismo Foi então que o aeródromo de Sebring chamou a atenção da comunidade de pilotos… de automóveis locais. Um dia, em 1949, Sam Collier (14/05/1912 – 23/09/1950) e Bob Gegen, conhecidos pilotos de ‘sportcars’, estavam a voar na região, quando viram lá em baixo as pistas e decidiram aterrar e ver de perto o que era aquilo. Uma vez em terra, procuraram o encarregado da pista [Allen Altvader] e perguntaram se era possível fazerem ali umas ‘corriditas’ de automóveis. Altvader disse que não sabia, era uma questão a colocar ao Conselho da Cidade de Sebring.

Impressionados com o que viram, Collier e Gegen começaram logo a preparar as coisas para correrem ali o mais depressa possível, enquanto deixavam à discussão do Conselho a resposta à sua questão. Uma das cosias que fizeram foi, na corrida a seguir, em Watkins Glen, já em 1950, divulgarem Sebring e as suas instalações, junto dos outros pilotos e equipas.

Mas, tragicamente, Collier morreu num acidente, nessa corrida e a ideia quase que morreu com ele. Felizmente, uma das pessoas com quem falou foi o piloto Alec Ulmann (16/06/1903 – 25/04/1986), que já tinha estado em Le Mans e ficara impressionado com a corrida francesa, ao ponto de cultivar a ideia de trazer da Europa esse estilo de provas e implantá-lo nos ‘States’. Além disso, profissionalmente estava ligado à aviação comercial e, por isso, foi-lhe fácil voar até Sebring, ver o que lá estava e perceber se Collier e Gegen tinham razão e, então, arranjar as coisas a contento. Tinham: a primeira prova veio a realizar-se no último dia desse mesmo ano de 1950 – no sítio que, conforme a visão que descreveu no seu livro ‘The Sebring Story’, era composto por “duas gloriosas retas de uma milha [1,6 km], tão necessárias para as grandes velocidades máximas e outras estradas, que podiam simular as curvas [de Le Mans] Mulsane e Arnage e ultrapassar os 320 km/h das Hunaudières.”

A pista grande foi encurtada em 1984 e outra vez em 1986, por causa de questões de segurança e de proximidade entre os carros e as pistas de viação, que continuam ativas mesmo durante as corridas e para permitir o acesso às instalações da pista de corridas, sem ter que se encerrar o aeroporto. Uma pista de ‘dragsters’ de ¼ de milha existe desde 1956 sob o nome de Sebring International Dragway e, entre 1992 e 1999, existiu uma mais pequena, com 1/8 de milha. Hoje, a pista de Sebring é propriedade da NASCAR desde 2012, quando a comprou à Panoz Motor Sports Group, que a tinha por sua vez comprado à família do piloto Andy Evans em 1997.

A pista é famosa pela sua Curva 17, uma longa, rápida e muito ondulada direita, em ‘banking’, que pode levar três carros lado a lado, a velocidades superiores aos 220 km/h.

As três pistas de Sebring

Sebring não é uma, mas três pistas – Long (‘Grand Prix’) Course Circuit, Short Course e Club Course, esta a começar entre as curvas 10 e 12 (Collier Curve), num ponto hoje considerado como muito perigoso. A primeira é a mais importante a mais utilizada, sendo palco das 12 Horas. Tem um perímetro de 6,02 km (3,74 milhas) e 17 curvas, muitas delas de alta velocidade e outras mais lentas e muito técnicas. A maioria tem o nome de pilotos ou de equipas dos primeiros anos. O asfalto é muito abrasivo e, em alguns lugares, especialmente quando chove, coloca um desafio extremo aos pilotos, por causa do ligeiro ‘banking’.

Grande parte da pista ainda utiliza as velhas porções desenhadas logo a seguir à II Grande Guerra, nessa altura feitas em cimento, com grandes lajes, que hoje se unem a partes asfaltadas de forma algo grosseira, provocando as célebres faíscas quando os carros por aí passam. Grande parte da pista foi deixada de propósito com a sua camada original de cimento, mas hoje o traçado está mais curto (entre 1952 e 1966 tinha um perímetro de 8,356 km) e existe uma linha de 4,89 km asfaltada por cima desse cimento.

Outra das grandes dificuldades que os pilotos enfrentam é o sol muito baixo, quando se põe (a prova começa de dia, mas termina de noite) e a falta de  marcações e de pontos de referência, pois a pista é muito larga e o traçado é geralmente marcado por cones e linhas brancas, pouco visíveis ou facilmente deslocáveis do sítio original. Alguns chegaram mesmo a dizer que ‘ficaram perdidos’ mais que uma vez durante a corrida… E até Mario Andretti, que lá venceu por três vezes afirma que a grande dificuldade “é saber onde começa a pista.”

Quando a F1 foi a Sebring

A pista de Sebring acolheu o GP dos Estados Unidos de F1 apenas por uma vez, em 1959, no dia 12 de dezembro. Neste ano, foi utilizada a versão grande da pista (8,36 km) e a corrida teve 42 voltas – ou 351 km (decidindo… pois eram três os candidatos ao título: Brabham, Stirling Moss e Tony Brooks) o primeiro título de Campeão do Mundo para o australiano Jack Brabham. Curiosamente, com 19 pilotos presentes, foi a última vez até ao GP do Mónaco de 1994 em que nenhum deles tinha sido antes Campeão do Mundo. E, entre eles, estava Rodger Ward, que tinha ganho as Indy 500 nesse mesmo ano [viria a vencê-las outra vez em 1962] e foi o único piloto norte-americano a participar com um carro de construção norte-americana, um Kurtis Kraft/ Offenhauser, com o nº 1 (!). Além de Ward, participaram outros seis pilotos locais: para lá de Phil Hill, que já corria na Europa e era piloto oficial da Ferrari, correram Harry Blanchard (que foi 7º, com um Porsche RSK; viria a perder a vida seis semanas mais tarde, a 31 de janeiro de 1960, numa corrida em Buenos Aires, com o mesmo carro); Harry Schell (29/06/1921 – 13/05/1960), George Constantine (22/02/1918 – 07/01/1968), Bob Said (05/05/1932 – 24/03/2002) e Phil Cade (12/06/1916 – 28/08/2001), desistindo todos, exceto Cade, que nem sequer alinhou.

O primeiro líder da corrida foi Stirling Moss, que depressa abriu uma certa distância para Brabham, mas desistiu com a caixa partida, na quinta volta. Isso deixou na frente Brabham, seguido pelo seu colega de equipa, o neozelandês Bruce McLaren (30/08/1937 – 02/06/1970). Contudo, de repente Brabham baixou o ritmo, numa altura em que metade dos pilotos tinham já abandonado, com problemas mecânicos.

Isso permitiu a aproximação de McLaren e de Maurice Trintignant, que aproveitaram para começar a atacar a sua liderança. Então, na penúltima volta, o Cooper de Brabham começou a falhar na longa reta do aeroporto, acabando mesmo por parar, sem gasolina, a menos de 500 metros da meta – o piloto tinha-se recusado a largar com o tanque completamente cheio, para estar menos pesado… Ao ver Brabham parado, McLaren afrouxou, para o socorrer e só ao ver os gestos frenéticos do seu colega de equipa, voltou a tomar a velocidade de corrida, vencendo com a escassa margem de 0,6s sobre Trintignant.

Brabham ainda foi passado por Brooks, que acabou em 3º e, como as regras não permitiam que um piloto fosse classificado se tivesse ajuda externa, Brabham decidiu empurrar o seu carro até à meta, que cortou no 4º lugar. O 5º foi Innes Ireland, mas já a três voltas, na frente de Wolfgang von Trips e de Harry Blanchard. Apesar deste final excitante, a prova nunca mais foi a Sebring – no ano seguinte, disputou-se em Riverside, na Califórnia, a exemplo do que sucedido em 1958, o ano da primeira edição da prova.

Com o seu triunfo, Bruce McLaren – que mais tarde fundou a equipa que ainda hoje corre na F1 – tornou-se o piloto mais jovem de sempre a vencer uma corrida de F1: tinha, na altura, 22 anos, três meses e 12 dias. Todavia, para os puristas (ou serão os menos puristas?) o mais jovem foi Troy Ruttman, que venceu as Indy 500 em 1952, quando tinha 22 anos, dois meses e 19 dias.

Felizmente, hoje esse dilema já não existe: o mais jovem mesmo é Max Verstappen. Aos 18 anos, 7 meses e 16 dias tornou-se no mais jovem vencedor de sempre um um GP de F1, isto depois de já ser o mais jovem líder de uma corrida, a obter pontos na F1 e a chegar ao pódio.

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