Michael Schumacher: My way


Não é por acaso que a música preferida de Michael Schumacher é “My Way”, cuja letra acaba por ser um pouco o espelho da sua vida. Na primeira entrevista que nos deu após a primeira ‘reforma’ o piloto alemão explicou porque sempre fez as coisas à sua maneira…

Por Fredrik Petersens

Esta entrevista começou na Áustria em 1998. Eddie Irvine teve súbito “problemas” com os travões do seu Ferrari durante a corrida e Michael Schumacher ultrapassou-o, garantindo assim o terceiro lugar. No final perguntei a Schumi o que se tinha passado, mas apenas obtive uma resposta evasiva; por isso fui-me embora para fazer um telefonema.

Senti uma mão no meu ombro, voltei-me e ali estava o Michael a pedir-me para não escrever sobre aquele assunto. Concordei em fazê-lo com uma condição, que era dar-me a primeira entrevista quando se retirasse. Ele aceitou o acordo e apesar de ser confessadamente um pouco esquecido, oito anos depois no GP do Brasil honrou a sua promessa e sentámos-nos para uma longa conversa.

Michael, assim que entraste no paddock de Interlagos foste completamente rodeado por câmaras de TV e fotógrafos, essa é uma das razões porque decidiste abandonar a competição? Parece que estás farto de dar entrevistas e responder sempre às mesmas questões, ou seja, farto da tremenda exposição mediática a que estás submetido?

Não tenho bem a certeza se é mesmo assim, talvez seja um exagero. A relação com os media faz parte do meu trabalho e na minha última corrida aqui em São Paulo é natural que fosse alvo de maior atenção. Por outro lado, acho engraçado ver como é possível as pessoas pisarem-se umas às outras e acotovelarem-se só para tirarem uma fotografia.

Em Monza disseste que uma das razões porque te retiravas da F1 era por não saberes se ainda tinhas a energia necessária para competires ao mais alto nível. Durante 15 anos na F1 nunca tiveste um acidente grave, exceptuando em 1999 quando partiste uma perna em Silverstone. Será que o medo pesou na tua

decisão?

Não tenho nem mais, nem menos medo do que quando comecei a minha carreira. Claro que há sempre momentos em que pensas que algo pode acontecer, mas tudo isso se dissipa no momento em que me sento no carro.

A partir de agora ficas com muito tempo livre. Qual vai ser o primeiro, digamos, “luxo” a que te vais dar direito?

Fazer tudo aquilo que sempre quis fazer e que nunca tive oportunidade ou tempo. Um luxo será certamente ter imenso tempo só para mim.

Mas tens algum “sonho” especial?

Sempre quis mergulhar com baleias. Até agora nunca tive tempo, porque estava sempre no sítio errado à hora errada. Dependendo da época do ano há sempre o local ideal para fazer este tipo de mergulho. Agora vou ter tempo para viajar até ao local onde elas estão.

Tens já feito algum trabalho de apoio social, mas é um tema de que não costumas falar, a partir de agora vais dedicar mais tempo a projectos de solidariedade, mesmo sabendo que vais ser seguido pela imprensa?

Nesse caso eu não diria ser seguido. Para este tipo de trabalho precisamos de cooperar com os media e ter a sua cobertura na divulgação dos diferentes projectos.

Quando fazes um balanço da vida e da carreira quais são os pontos altos e os pontos baixos?

Os momentos mais felizes da minha vida foram o nascimento dos meus filhos, o dia em que eu e a Corinna nos tornámos um casal, o meu primeiro título mundial com a Benetton em 1994, e o meu primeiro título com a Ferrari em 2000. Os dias mais tristes foram o da morte da minha mãe e o do tsunami.

O que achas da minha teoria que te retrata como um grande egoísta em pista e um homem afável e generoso quando tira o capacete?

Até concordo, mas porque razão é que havia de ser generoso em pista e dar presentes aos outros pilotos?

Mas o comportamento em pista é um dos aspectos em que és mais ferozmente criticado. Por exemplo, no ano passado no Mónaco quando forçaste a ultrapassagem ao Rubens Barrichello na última volta e tentaste o mesmo com o teu irmão, ou este ano quando “estacionaste” o carro durante a qualificação do GP do Mónaco. Os outros pilotos não te deram propriamente palmadinhas nas costas…

Para ser completamente honesto se os outros pilotos me criticam é sinal que fiz muitas coisas bem.

Ficaste surpreendido com o tratamento dado pela imprensa quando anunciaste que ias abandonar a F1. Na Alemanha quase parecia um assunto de Estado que abriu todos os telejornais?

Não tive essa percepção, porque nessa noite cheguei tarde a casa e não vi os noticiários, nem sequer no dia seguinte. Ler o que escreviam ou diziam sobre mim nunca foi uma ocupação importante na minha vida, mas claro que percebo que o anúncio da minha retirada da F1 teria algum impacto.

Alguém que tivesse 12 anos quando começaste a correr na F1 terá agora 27, ou seja para os mais novos és o grande ídolo e o responsável pela sua paixão pela F1. Muitos fãs alemães disseram que para eles a F1 estava acabada.…

Certamente que haverá muitas pessoas que lamentam o facto de eu me retirar, mas tenho a certeza que mesmo os meus adeptos mais incondicionais vão encontrar um novo ídolo bem depressa.

Estiveste no centro das atenções durante tanto tempo, e costumas mesmo dizer que o único sítio onde podes passar férias incógnito é nos EUA, porque lá ninguém te conhece. Acreditas que podes voltar a ter uma vida privada?

Não será amanhã, mas um dia isso vai acontecer. Provavelmente quando ficar velho, grisalho e gordo.

Mas desejavas ter essa vida mais privada?

Desejos? Estou a viver uma vida tão maravilhosa e feliz que dificilmente posso desejar mais alguma coisa. Claro que ficarei contente quando um dia houver menos atenção mediática.

Costumavas dizer que a tua mulher deixava-te decidir o teu futuro como piloto, como foi agora?

Como sempre a Corinna não me tentou persuadir a tomar nenhuma decisão, pelo contrário ela dá-me todo o apoio e força para chegar à decisão certa, que acabámos sempre por tomar em conjunto. Na nossa relação nenhum diz ao outro o que fazer.

O que é que vais fazer daqui a seis semanas quando começarem os testes de preparação da próxima temporada?

Julgo que os miúdos vão estar de férias e vamos viajar para algum lado. Vou aproveitar também para tratar de alguns assuntos pessoais.

A tua filha está a aprender a montar e o teu filho joga hóquei no gelo, estás a pensar jogar com ele?

Julgo que não ia ajudar muito, mas vou certamente poder assistir aos jogos e dar-lhe o meu apoio.

Quando te juntaste à Ferrari em 1996 a equipa estava um caos e um jornalista suíço começou a aceitar apostas em que volta irias abandonar, como reagiste a isso?

Primeiro ri-me quando ouvi a história, mas por outro lado não teve lá grande graça em ser o tema de uma aposta desse género.

Arrependes-te de alguma coisa?

Claro, mas a minha canção favorita é o “My Way”, que canto razoavelmente bem. A letra está cheia de verdades e talvez tenha feito parte da minha própria vida.

Para já, o futuro de Michael Schumacher é ainda uma incógnita. O piloto alemão não tem planos definidos, mas percebe-se que não exclui o regresso ao mundo da competição a médio prazo.

P: Acabaste de te “reformar” mas já há quem aposte que vais testar o novo Ferrari na próxima época, queres apostar contra?

R: Neste momento sim.

P: E quanto à especulação em torno de ires competir no DTM?

R: Neste momento isso nem me passa pela cabeça. O Niki Lauda fez um regresso bem-sucedido à F1, e o Mika Hakkinen está a competir no DTM, mas ambos

pararam um tempo antes de regressar. Não sei dizer o que vou estar a fazer daqui a dois ou três anos.

P: Jean Todt foi navegador de ralis e depois fez uma brilhante carreira como director de equipa. Ele pode ser um modelo para ti?

R: Nunca tive um modelo, nem sequer precisei de um.

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