GP do Estoril de Fórmula 2 de 1977

Por a 18 Agosto 2023 14:36

 Pironi ganhou mas Arnoux foi campeão

A 2 de outubro de 1977 realizou-se no Estoril a quarta edição do Grande Prémio de Fórmula 2, prova que nesse ano foi a penúltima do Campeonato Europeu da especialidade. Para quem seguia o campeonato com atenção, o mais importante foi que René Arnoux conquistou antecipadamente o título, com o segundo lugar, atrás do seu colega Didier Pironi. Mas para o público português, foi uma oportunidade para ver Mário Silva participar na prova, ainda que não tenha conseguido ir além da classificação, numa aventura que valeu pela experiência

Não há dúvida de que o circuito do Estoril funciona para a equipa Martini corno uma espécie de talismã. Foi aqui, em 1975, que Tico Martini se iniciou na Fórmula 2 e logo com uma vitória, através de Jacques Laffite, que viria a sagrar-se campeão da Europa nesse ano. Foi aqui, o ano passado, que René Arnoux se adiantou ligeiramente ao seu compatriota Jean-Pierre Jabouille na classificação de um Europeu que acabaria por não ganhar. Foi aqui, este ano, que a equipa de Magny-Cours conseguiu urna espectacular dupla, com Pironi no primeiro posto e Arnoux no segundo, a averbar o número de pontos suficiente para lhe garantirem a conquista do seu primeiro título europeu de Fórmula 2. Tico Martini não escondia o seu entusiasmo, nem o seu apreço por Portugal e pelos espectadores portugueses, que considera como dos mais estimulantes e entusiastas que conhece.

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Os Inscritos

Inscreveram-se para esta penúltima prova do Europeu 29 concorrentes, entre os quais se encontravam os principais interessados no campeonato e praticamente todos os nomes grandes da Fórmula 2 actual. Apenas dois dos inscritos não fizeram a deslocação ao Estoril, Alessandro Pesenti-Rossi e Gaudenzio Mantova. Lamberto Leoni, que chegou a ser dado como ausente, pois supunha-se que iria guiar, tal como em Itália, o Surtees TS-19 da Durex no Grande Prémio dos Estados Unidos, disputado no mesmo dia do que o do Estoril, esteve de facto entre nós. O Surtees acabou por ser entregue, de novo, ao austríaco Hans Binder. Seis marcas estiveram representadas no Estoril. Vejam a constituição das diversas equipas.

MARTINI: A equipa oficial da Ecurie Renault Elf trouxe três carros para os franceses René Arnoux e Didier Pironi. Dois desses carros eram do último modelo MK22 e o terceiro de reserva era um MK19 do ano passado. Os MK22 estrearam no Estoril um espaçador colocado entre o motor e a caixa de velocidades que aumentava a distância entre eixos em dez centímetros. Além destes dois carros oficiais, estiveram entre nós mais dois Martini MK22. Um pertencia à Scuderia Everest e foi pilotado, como de costume, por Giancarlo Martini. O motor era também um Renault Gordini V6, mas ao contrário do que acontece com a equipa Martini que tem os seus motores preparados pela própria Renault Gordini, em Viry-Chatillon, esta Scuderia Everest entrega os seus motores ao preparador francês Arthur Bozian. O outro MK22 era o do francês Roland Mieusset, inscrito peia Ecurie Norev Racing e dotado de um motor BMW.

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MARCH: Robin Herd acompanha de muito perto toda a temporada europeia de Fórmula 2 e em particular o carro do italiano Bruno Giacomelli que, como se sabe, é o protótipo dos March do próximo ano, em particular os de fórmula 2 e Atlantic. A March Racing inscreveu, pois, este carro para Giacomelli, com um motor BMW preparado no próprio departamento de competição da marca alemã – a Motorsport – pelo seu criador Paul Rosche. O segundo carro de Bicester era o do argentino Ricardo Zunino, que normalmente corre corno privado. O carro de Zunino era um 772 com motor Hart. A equipa semi-oficial da March, a AFMP Euroracing, comandada pelo representante da marca para o continente europeu, Sandro Angeleri, trouxe a Portugal apenas um dos 772, para Alberto Colombo. O motor era um BMW preparado na Alemanha por Heidegger. Carlo Giorgio inscreveu-se com o velho 742/Hart enquanto o belga Bernard de Dryver, a muito custo, conseguiu trazer o seu March 77B equipado com o motor BMW preparado por Pipo.

KAUHSEN: A equipa de Willi Kauhsen, de que é director desportivo o nosso colaborador Domingos Piedade, inscreveu os seus três carros para Michel Leclère, Alain Prost e para o português Mário Silva, que fazia a sua estreia na Fórmula 2. Os dois carros para os franceses eram os habituais Kauhsen de chassis comprido, equipados com o motor Renault Gordini, preparado em Giand, na Suíça, por Heini Mader. Contudo, Kauhsen fez montar no carro de Leclère, para os treinos e para a prova, um motor Renault preparado na própria Gordini com supervisão de Jean-Pierre Menrath, o responsável pelo programa de Fórmula 2 da casa francesa. A diferença principal entre os motores preparados na Gordini e os de Heini Mader, é que os primeiros fazem facilmente 11 000 rpm, enquanto os segundos se quedam pelas 10 400 ou, quando muito, pelas 10 600. O carro de Mário Silva, que pertenceu a Jabouille no ano passado, é a versão curta sem espaçador. Tem uma distância entre eixos mais curta 12 cm e, por isso, mais difícil de conduzir num traçado como o do Estoril. Este chassis ainda não correra este ano, funcionando como carro de reserva da equipa. O carro foi todo pintado de vermelho (cor nacional portuguesa) e incluía a publicidade dos seus dois patrocinadores – a Grantur e a Savana/Onkyo – para além da publicidade habitual dos Kauhsen. No bordo traseiro do aileron podia-se ler: Wir Grussen Portugal (Nós saudamos Portugal), atitude simpática da equipa alemã.

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RALT: Quatro equipas utilizaram os carros que Ron Tauranac desenha e constrói. A Scuderia Everest inscreveu dois RT1 com motor Ferrari Dino para Gianfranco Brancatelli e Elio de Angelis, uma das grandes esperanças do automobilismo italiano e que será, juntamente com Eddie Cheever, piloto oficiai da Ferrari para o próximo ano, na equipa de Fórmula 2 que se está a constituir. Outra equipa a utilizar Ralt é a Project 4 Racing de Ron Dennis, que fez correr Eddie Cheever e o brasileiro Ingo Hoffmann. Os carros são os RT1 mas com motores diferentes: o de Cheever é um BMW oficial preparado por Rosche, só possível por obra e graça de Jochen Neerspach que, corno se sabe, contratou Cheever para o seu team Junior que corre com os 320. A única equipa que, em princípio, poderia dispor dos motores BMW de fábrica era a March. O motor de Ingo é também um BMW, mas preparado por Heini Mader. Ainda em Ralt, inscreveram-se Freddy Kottulinsky e o argentino Ariel Bakst, que fazia a sua estreia na Fórmula 2. O primeiro utilizou um motor BMW/Heidegger enquanto o segundo montou um BMW preparado por Mader.

CHEVRON: A representação da marca de Derek Bennett era a mais numerosa de todas: nada menos do que oito carros para quatro equipas diferentes. A Trivellato Racing trouxe três carros — dois B40 e um B35 — para Ricardo Patrese e Lamberto Leoni, recente vencedor da corrida de Misano. O primeiro utilizou um motor BMW, enquanto o segundo tinha no seu carro um Ferrari Dino. O americano Fred Opert tinha três B40 para Keijo ‘Keke’ Rosberg, Wink Bancroft e Eje Elgh. Como de costume, os motores eram Hart. Michel Pignard e Laurent Ferrier estavam inscritos pela Societé ROC, preparadora dos motores Chrysler ROC, mas Ferrier preferiu montar o seu motor BMW/Pipo. Finalmente, o oitavo Chevron era o da equipa ICI-Nesweek, equipa essa que contava com o apoio semi-oficial da própria Chevron. Derek Daly, o excelente piloto de F3, estrou-se no Estoril ao volante deste carro, um B40 com um motor Hart, que contava com o apoio adicional da Sotinco.

BOXER: Apenas um destes carros, o PR 276 com motor Hart de Danny Sullivan, inscrito pela Netherton and Worth/Boxer Cars.

OS TREINOS

O Automóvel Club de Portugal, organizador da prova, tinha previsto duas sessões cronometradas com a duração total de duas horas e meia, disputadas no sábado, e uma hora de treino livre para o domingo de manhã. Porém, o interesse pelos tempos começou bem mais cedo, por altura dos treinos privados que decorreram nos dias anteriores ao Grande Prémio. Na quarta-feira, já ao final do dia, René Arnoux conseguiu duas voltas em 1m33,43s e 1m33,41s, o que deixou logo antever o espírito da equipa Martini e a luta que se iria travar no sábado entre as equipas mais fortes. Na primeira sessão oficial, o melhor tempo foi para René Arnoux com 1m33,60s, que deixou o seu companheiro de equipa apenas a um centésimo de segundo. O terceiro melhor tempo foi para Bruno Giacomelli com 1m33,84s, enquanto a surpresa vinha do piloto da ICI-Newsweek, Derek Daily, que obteve o quarto melhor tempo com 1m33,87s. Mário Silva, com 1m40,29s, melhorava de quase um segundo o melhor tempo obtido nos treinos particulares e que, segundo o nosso cronómetro, era de 1m41,18s. Se bem que com algum significado, estes tempos não eram definitivos, na medida em que os treinos da tarde por serem os últimos e por se disputarem a uma hora de menor calor, iriam ditar o escalonamento final sobre a grelha de partida. De facto, assim veio a suceder. Pironi foi o mais rápido ao obter 1m33,05s, deixando a uma certa distância Bruno Giacomelli e René Arnoux, respectivamente com 1m33,46s e 1m33,48s. Para se ter uma ideia da luta travada contra o cronómetro basta dizer que nada menos do que dez pilotos estavam no mesmo segundo, o que não é uma situação lá muito vulgar na Fórmula 2. De facto, os treinos do Grande Prémio do Estoril foram só por si um verdadeiro espectáculo. Era a luta cerrada pelos melhores lugares na grelha de partida, isto para os mais rápidos, e a luta não menos empolgante pela qualificação dos restantes, na medida em que apenas vinte teriam lugar nessa mesma grelha. Sete pilotos ficaram de fora e entre eles o português Mário Silva, para quem a possível qualificação era já por si uma enorme vitória. Mário obteve nos últimos treinos 1m39,62s, um tempo que se pode considerar muito bom para as circunstâncias. Para além de Mário Silva, não se qualificaram Brancatelli, Michel Pignard, Carlo Giorgio, Bancroft e os dois argentinos, Ricardo Zunino e Ariel Bakst. A eliminação de Zunino deu-se com alguma surpresa, uma vez que, em princípio, o piloto da March estaria entre os vinte primeiros. O que aconteceu foi que, logo no princípio dos treinos da tarde, Zunino despistou-se e não pôde prosseguir, pelo que o tempo obtido na primeira sessão não lhe permitia mais do que aspirar ao lugar de segundo reserva.

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Mário Silva: Valeu a pena

Perante a desilusão de muitos adeptos do desporto automóvel nacional, o português Mário Silva não conseguiu qualificar-se para o Grande Prémio do Estoril e foi um dos sete pilotos que ficou de fora. Analisada friamente esta situação, ela nada tem de especial. Mário não conhecia o carro (um dos mais difíceis de conduzir), nunca correra na Fórmula 2 e o salto da Ford para a segunda fórmula mais importante a nível internacional era enorme. Deste modo, pouco se podia esperar dele, apesar de haver quem sonhasse com altos voos para o piloto lusitano. Todavia, a questão tem que ser analisada pelo aspecto humano. Mário Silva, sem sombra de dúvida, um dos melhores pilotos nacionais, esteve à altura da sua categoria. Fez tudo quanto um piloto consciente pode e deve fazer. Não estava ali para fazer um exame, mas sim para competir e fê-lo com o maior brio e dedicação. A sua não qualificação tem de ser encarada corno um acidente. Apenas isso e nada mais do que isso. Que Mário não tenha sido suficientemente ajudado por quem de direito, isso é outra questão, que trataremos em pormenor no próximo número. Mas aqui fica o forte abraço de Autosport, extensivo a toda a equipa que o ajudou, desde o Domingos Piedade, ao José Plaisant, seu mecânico e ao Quim Nicodemos que, como sempre, foi o seu grande incentivador.

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Filme da corrida

A penúltima prova do Europeu de Fórmula 2 foi, quanto a nós e também para a esmagadora maioria dos pilotos e técnicos presentes no Estoril, uma das mais, senão a mais interessante de todas as corridas disputadas até ao momento. Se, no tocante ao vencedor, a questão ficou arrumada desde a primeira volta, outrotanto não aconteceu aos lugares secundários. Na fase inicial da corrida, Bruno Giacomelli, no seu excelente March 772P/BMW patrocinado pelas baterias Scaini, conseguiu intercalar-se entre os dois pilotos da equipa Martini e animou extraordinariamente a corrida até à oitava volta, altura em que o piloto italiano fez um pião, bateu com a frente nos rails e teve que parar nas boxes para montar um nariz novo, atrasando-se consideravelmente. O grande beneficiado desta situação foi, incontestavelmente, René Arnoux. A táctica da Martini era clara: Pironi estava na frente para ganhar; era a ‘lebre’. Arnoux vinha atrás numa toada acentuada mais calma, jogando à defesa, mas evitando a aproximação de Cheever, o único piloto que podia pôr em perigo a conquista do Europeu. “Propositadamente”, disse-nos René no final da corrida, “montei uma aleta traseira com menor carga aerodinâmica, do que a utilizada nos treinos. Sabia que, assim, seria mais lento nas curvas mas, em compensação, seria mais rápido nas rectas e, sobretudo, pouparia mais o motor, por lhe dar uma menor resistência ao avanço”.

A táctica do novo campeão europeu resultou em pleno. O segundo lugar de Arnoux nunca esteve em perigo, nem mesmo quando Cheever, nas últimas voltas, se aproximou, levando atrás de si o fiel e espectacular Keke Rosberg. Parece que não ficou dúvidas para ninguém que a aproximação de Eddie Cheever foi mais consentida do que conseguida. No final da corrida, Eddie não escondia o seu desgosto, em flagrante contraste com Arnoux. As razões eram evidentes e mesmo que as hipóteses do piloto de Ron Dennis ascender ao topo do Europeu fossem remotas, este não quis deixar de evidenciar a sua enorme categoria e o seu estilo inconfundível. A Eddie falta o que René já possui: a maturidade. Mas, dada a sua juventude, não temos dúvida em vaticinar aquilo que não é difícil de prever: que Cheever é um campeão em potência. Outra espectacular actuação foi a de Keke Rosberg. Tirando o melhor partido de um carro que sempre gostou do Estoril – o Chevron – o finlandês andou sempre atrás de Cheever e mostrou ser um dos mais rápidos da Fórmula 2 actual. Uma das notas de maior interesse desta prova esteve na luta travada entre Ingo Hoffman, Derek Daly e Riccardo Patrese até ao final da prova.

O brasileiro esteve sempre na frente dos seus adversários e realizou uma corrida surpreendente para um público que nunca o vira correr. Ameaçado por Daly e Patrese, Ingo, Ingo não cometeu um erro e seria justo o quinto lugar que estava à vista. Porém, Riccardo Patrese não pensava desta maneira e, a poucas voltas do fim, decidiu atacar. Tentou passar Daly e conseguiu-o. De seguida, forçou a passagem ao brasileiro, segundo um estilo que lhe é característico. Conseguiu também os seus intentos, mas à custa de uma manobra perigosa e altamente antidesportiva que só por acaso não acabou mal para Hoffman. Desta forma, o italiano terminou na quinta posição que era, por justiça, de Ingo. Atrás de si ficou o estreante Derek Daly, um piloto de notáveis qualidades que dará que falar no Europeu do próximo ano.

Texto original: José Vieira

Comentários adicionais: Paulo Manuel Costa


Grande Prémio de Fórmula 2  – Estoril, 1977


Perante a desilusão de muitos adeptos do desporto automóvel nacional, o português Mário Silva não conseguiu qualificar-se para o Grande Prémio do Estoril

 

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can-am
can-am
7 anos atrás

Uma das primeiras provas de automobilismo a que assisti – a F2 nessa época tinha uma pujança enorme – pilotos de enormíssimo nível e uma igual variedade de carros e motores. Ainda me lembro que ajudei a puxar um Chevron para dentro da box ! Grandes tempos.

joaolima
joaolima
8 meses atrás

Estive nas bancadas e recordo o entusiasmo do público perante a forma espectacular com que Keijo (na altura ainda era mais conhecido assim do que Keke) Rosberg conduzia

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