Martin Brundle: o piloto que passou ao lado das oportunidades


Considerado à data como uma das maiores esperanças do automobilismo britânico, Martin Brundle conseguiu de facto uma longa carreira na F1 mas, tal como o seu compatriota Derek Warwick, passou sempre ao lado das oportunidades que o poderiam ter levado ao sucesso e, quem sabe, aos títulos. Hoje em dia, é comentador televisivo de F1, e pelo meio, faz algumas corridas de Clássicos. Em 2021, correu no Estoril.

Brincadeiras na relva

Um dos poucos homens a incomodar Ayrton Senna e Michael Schumacher ao longo das suas carreiras, Martin Brundle nasceu em King’s Lynn a 1 de Junho de 1959, no seio de uma família de classe média, dona de uma garagem e de um pequeno concessionário automóvel. Talvez o cheio a gasolina e borracha tenha despertado o interesse pela pilotagem no jovem Brundle, mas certamente não “desapertou os cordões à bolsa” da família, que não tinha dinheiro para alimentar os seus sonhos de pilotar karts. Deste modo, o jovem Martin começou, tal como Derek Warwick, em provas de sprint cars disputadas em pistas de relva ou terra, tão típicas do “underground” britânico, com apenas 12 anos, não demorando a tornar-se num dos mais bem-sucedidos jovens nas diversas categorias por onde passou, tornando-se um “consagrado” com apenas 16 anos! Pouco tempo depois, uma equipa de BTCC colocou os seus carros à venda e o adolescente Martin não tardou a convencer o pai que aquela era A oportunidade para singrar na carreira, usando os carros para correr em provas locais, ao mesmo tempo que publicitavam o stand familiar!

Em 1977 Martin estreou-se finalmente no BTCC ao volante do dito Toyota Celica GT, obtendo uma vitória à classe, continuando com o mesmo carro na temporada seguinte. Pelo meio, conseguiu alguns apoios para disputar algumas rondas do campeonato britânico de Formula Ford 2000, e em 1980 convenceu Tom Walkinshaw a “entregar-lhe” um dos BMW 323i do troféu monomarca que o escocês tinha montado, com um carro para cada condado, Brundle representando Norfolk contra um plantel de bastante qualidade. Pode dizer-se que este foi o momento decisivo da sua carreira, pois não só os seus poderes de argumentação foram suficientes para Walkinshaw lhe dar ouvidos, como os resultados em pista evidenciaram a qualidade do jovem piloto, que venceu por duas vezes e obteve mais três pódios, contribuindo assim para a vitória final de Norfolk no Campeonato. Foi o suficiente para Walkinshaw o promover de novo ao BTCC, ao volante dos Audi da TWR, ao lado de um certo Stirling Moss, que fazia um regresso ocasional à competição! A operação pode ter sido bem-sucedida em termos de marketing, mas os resultados não foram propriamente surpreendentes… se Moss acusou os 51 anos e a falta de ritmo competitivo, a verdade é que o Audi não era definitivamente uma combinação rápida e fiável, mas Brundle “fez das tripas coração” com o equipamento, chamando a atenção de várias equipas de F3.

Finalmente os monolugares

O patrocínio da BP à TWR permitiu-lhe o acesso à conceituada equipa de F3 de David Price, também apoiada por aquela petrolífera, para pilotar um Ralt RT3-VW no Campeonato Inglês de F3 em 1982. Aos 23 anos, Brundle estava finalmente nos monolugares e podia sonhar finalmente com a Fórmula 1. Contudo, a primeira metade da época foi de adaptação e Martin destacou-se por alguma fogosidade e excessos que destruíram alguns carros a Price e levaram Brundle a colocar a sua carreira em causa, mas tudo pareceu reequilibrar-se na segunda metade da época e o britânico terminou a época em quarto, tendo passado duas vezes pelo lugar mais alto do pódio. Uma segunda época na F3 seria provavelmente frutífera, mas David Price não tinha meios para lutar pelo título, e recomendou Brundle a Eddie Jordan, que estava então a construir a sua equipa de F3. Pode parecer contraproducente, mas a nova equipa lá arranjou financiamento – Eddie Jordan sempre teve um jeito para o “desenrascanço”, como se veria na sua estreia na F1 em 1991, e não só – e Brundle cedo mostrou estar bem mais maduro. No entanto, parecia que nenhuma equipa chegava aos calcanhares de Ayrton Senna e da West Surrey Racing…

Depois de ter dominado a FF1600 e a FF2000, Senna preparava-se para dominar de forma esmagadora a F3 e a primeira metade da época foi completamente dominada pelo brasileiro, que venceu nove provas… em nove possíveis! No entanto, Brundle e a Eddie Jordan Racing apostavam na regularidade, e em Silverstone – a contar para o Europeu de F3 – Brundle finalmente conseguiu derrotar Senna. Mais do que o resultado, foi o sensação de vulnerabilidade de Ayrton que sobressaiu a partir daí, e não raras vezes o fator psicológico levou o brasileiro a cometer excessos que permitiram a Brundle ganhar paulatinamente terreno e chegar à última ronda na liderança. No entanto, em Thruxton Senna conseguiu resistir a qualquer pressão e esteve na sua forma impecável, vencendo após um domínio absoluto, enquanto Brundle teve problemas de motor e não foi além do terceiro lugar. Diga-se em abono da verdade que houve alguma “justiça” neste resultado, porque Senna foi o melhor piloto da época, mas o simples facto de ter sido o único a chegar-lhe perto e a ter posto em causa a superioridade do brasileiro, com uma estrutura nova e com muito menor budget diz muito do talento inato e da aplicação de Martin Brundle à sua carreira no desporto motorizado.

Os tempos da Tyrrell

Brundle foi convidado a testar pela Tyrrell e acabou por ser ficar na equipa, juntamente com outro estreante, o brilhante prodígio alemão Stefan Bellof. A Tyrrell era então a única equipa que não dispunha de motores turbo, por isso os seus pilotos sabiam que as hipóteses de brilhar seriam muito raras e teriam para tal que tirar o máximo partido das mesmas, e diga-se em abono da verdade que Brundle foi tudo menos esmagado por Bellof. Logo na primeira prova, no Brasil, foi quinto, e depois obteve um fenomenal segundo lugar em Detroit, aproveitando-se da muito maior maneabilidade do chassis 012 entre os rails da pista traçada na cidade do automóvel. Infelizmente, depois de já não se ter qualificado no Mónaco devido a um violento acidente em Tabac, Brundle sofreu outro brutal acidente em Dallas, que o deixou com graves lesões nos pés e tornozelos, sendo mesmo avançada a necessidade de amputar o pé esquerdo. Felizmente tudo não passou de um mau bocado e Brundle pode regressar à competição, embora perdendo o que restava dessa temporada, mas nunca mais conseguiu ter forças para travar com o pé esquerdo, entre outras limitações. E, dias depois, rebentava o escândalo dos tanques de água ilegais que levaria à desclassificação e exclusão sumária da Tyrrell do campeonato.

Recuperado das lesões, Brundle esteve em negociações com a Lotus, mas Ken Tyrrell decidiu exercer a opção contractual que tinha sobre Brundle, deixando a vaga livre para… Ayrton Senna! Restava a Brundle manter-se ao volante do pouco competitivo Tyrrell 012-Cosworth, e esperar que os motores turbo Renault prometidos para meados da temporada lhe permitissem lutar ao menos pelos pontos, o que não aconteceu. Brundle continuaria na equipa em 1986, mas a falta crónica de financiamento impedia a Tyrrell de sonhar mais alto, embora Martin tenha conseguido extrair o máximo possível do 015 para terminar a época com oito pontos, sendo o seu melhor resultado um quarto lugar na Austrália. Pelo meio, Brundle fazia alguns “biscates” na TWR, começando logo em 1984, quando foi chamado por Walkinshaw para pilotar um dos Jaguar que a equipa preparava para o ETCC, com bastante sucesso. No ano seguinte, a Jaguar deixou os turismos para se dedicar ao WEC, estrando-se em Mosport, e mais uma vez Brundle foi um dos pilotos chamados. Quando o seu contracto com a Tyrrell expirou no final de 1986, Walkinshaw convidou-o para integrar a equipa a tempo inteiro, mas Brundle resolveu aceitar a oferta da Zakspeed para 1987. Porém, a época foi absolutamente desastrosa, e no final do ano o homem de Norfolk convenceu-se que estra na F1 por estar não valia a pena, e assinou pela TWR Jaguar para competir no WEC e na IMSA em 1988.

Campeão do Mundo

No auge dos Grupo C, Brundle venceu cinco das dez provas que compunham o WEC, permitindo-lhe a conquista do título mundial, e foi quinto no campeonato IMSA, embora vencesse as 24 Horas de Daytona, juntamente com Raul Boesel, Jan Lammers e John Nielsen. Pelo meio, manteve-se ligado à F1 através de um contrato como piloto de testes da Williams, substituindo Nigel Mansell no G.P. da Bélgica quando este foi forçado a interromper a época devido ao sarampo. No entanto, o sucesso nos Sport-Protótipos não foi suficiente para trazer Brundle para uma equipa de topo na F1 em 1989, ficando-se pela regressada Brabham, que havia sido comprada por Joachim Luthi. A época até nem começou mal e o inglês rodava em terceiro no Mónaco quando problemas de bateria o obrigaram a uma longa paragem nas boxes, ainda assim suficientes para assegurar os primeiros pontos da época, com o sexto lugar. No entanto, não demorou a perceber-se que a injeção de capital na equipa inglesa era fruto de um esquema duvidoso – algo bastante comum na época – e a Brabham não tardou a relegar Brundle e Modena para o fundo da tabela. Após uma época concluída com apenas quatro pontos, Martin regressou à TWR Jaguar e ao WEC em 1990, mas os “Big Cats” não estavam na mesma forma de 1988 e Martin apenas conseguiu uma vitória, em Silverstone. No entanto, atingiria o topo da sua carreira com outra vitória, desta feita extra campeonato, quando deu à formação inglesa mais um triunfo nas 24h de Le Mans, acompanhado de John Nielsen e Price Cobb.

Regresso à rotina

No entanto, tal como tantos outros pilotos, Brundle continuava focado maioritariamente na F1, e aceitou uma oferta para regressar à Brabham – agora com donos japoneses – mas os resultados foram deveras escassos, mas manteve um programa em part-time com a TWR no WEC, que lhe deu uma mais uma vitória neste campeonato. Tom Walkinshaw estava então a envolver-se na gestão da Benetton, que tinha assegurado o concurso do promissor Michael Schumacher, e o escocês recomendou Brundle para o lugar de Piquet, já que era evidente que a equipa de Enstone precisava de um piloto experiente para liderar o “assalto” à temporada de 1992. De facto, Brundle tinha mostrado ao volante dos pouco competitivos Brabham que tinha lugar no plantel da F1, e a temporada de 92 demonstrou-o, com o inglês a rodar muito bem e a estar perto da vitória no Canadá quando, após uma fenomenal ultrapassagem a Schumacher pela relva, assumiu o comando até o diferencial partir. Mesmo inexperiente, o alemão já deixava mais do que claro o fora-de-série que era e cotava-se geralmente como o mais rápido da dupla, principalmente em qualificação, embora em corrida a regularidade e experiência de Brundle o deixassem a par com “Schumi”, tendo sido um dos colegas de equipa que mais se aproximou em performance pura. Mais uma vez, tenho que frisar que o alemão era inexperiente, mas ainda assim não era qualquer piloto que obtinha os resultados de Brundle ao longo de toda a temporada, e a diferença ficou patente na época seguinte, quando Flavio Briatore resolveu dispensar Brundle para contratar Patrese – o veterano italiano, também ele muito talentoso, nunca se conseguiu aproximar propriamente de Schumacher, e Briatore sempre disse ter sido um erro dispensar Brundle, que havia sido sexto no campeonato, com 38 pontos.

Mais uma vez Martin viu-se relegado para o meio da tabela, desta vez ao volante da Ligier, que tentava recuperar da grave crise em que tinha mergulhado desde 1987. Equipados desde 1992 com motores Renault, a dupla da Ligier em 1993 era composta por Brundle e Blundell – ambos já se tinham “cruzado” na Brabham em 1991 – e o JS39 foi um dos chassis mais bem conseguidos da época. Mesmo não dispondo de suspensão ativa e das últimas evoluções do Renault V10, os Ligier foram presença habitual nos pontos toda a época e Brundle conseguiu mesmo um pódio em San Marino, terminando a época num positivo sétimo posto na tabela, batendo inclusive Gerhard Berger em Ferrari! De salientar que a Ligier ficou aa apenas cinco pontos de uma Scuderia em crise profunda. As exibições de Martin convenceram Ron Dennis, que precisava de um piloto experiente para liderar a McLaren na era pós-Senna, mas infelizmente Brundle estava no local errado à hora errada, já que a equipa de Woking tinha assinado contracto com a Peugeot, mas os motores V10 de Sochaux eram desesperadamente pouco fiáveis, o que tornou a época de Brundle e Häkkinen numa desilusão, não raras vezes traduzida por longas plumas de fumo branco e chamas… No entanto, o chassis era bom e quando o carro aguentava ambos conseguiram resultados de relevo, destacando-se o segundo posto no Mónaco e o terceiro em Adelaide por parte de Brundle, o que não foi suficiente para o manter na equipa, sendo trocado por Mansell – com os resultados que todos conhecemos – para 1995.

As despedidas

Novamente “desempregado”, Brundle regressou à Ligier, agora parcialmente detida por Walkinshaw, mas partilharia o carro com Aguri Suzuki, para apaziguar os japoneses da Mugen-Honda, que forneciam os propulsores à equipa francesa. Foi uma época de altos e baixos, coroada com um excelente terceiro lugar na Bélgica, e em 1996 Martin reencontrou-se com Eddie Jordan, 13 anos depois da sua parceria na F3. Seria a sua última época na F1, mais marcada pela regularidade do que por resultados espetaculares, mas ainda assim Brundle esteve longe de ser esmagado pelo bem mais jovem Rubens Barrichello e provou o seu valor para terminar em 11º com oito pontos. Porém, no final do ano estava mais uma vez sem equipa, e optou por deixar a F1, dedicando-se exclusivamente a Le Mans (apesar de lhe ter sido oferecido um lugar na Sauber depois do despedimento de Nicola Larini), pilotando os Nissan inscritos pela TWR, sem sucesso. Ao mesmo tempo, iniciou a sua longa e bem-sucedida carreira como comentador de Formula 1 na cadeia britânica ITV, ao lado do lendário Murray Walker. Brundle viria a disputar Le Mans em 1998 e 1999, pela Toyota, e depois em 2001 com a Bentley, mas nunca conseguiu terminar, e após a aventura com a mítica marca britânica pendurou de vez o capacete, para se dedicar aos microfones.

Além da sua carreira como comentador, Brundle também se destacou como manager de jovens pilotos através da empresa 2MB Sports Management, criada por ele e por Mark Blundell após a retirada de ambos. Entre os nomes mais sonantes destacam-se Gary Paffett e Mike Conway, e Brundle foi também manager pessoal de Coulthard, até deixar a empresa totalmente nas mãos de Blundell em 2009, por considerar não ter tempo suficiente para se dedicar à gestão de carreiras e à carreira televisiva. Além disso, Brundle estava já a apoiar os primeiros passos do seu filho Alex na competição, regressando também ocasionalmente às pistas nos Sport-Protótipos, agora como “gentleman driver”. Ainda assim, em 2012 regressou a Le Mans, juntamente com Alex e Lucas Ordóñez ao volante de um Zytek da Greaves Motorsport, rompendo finalmente a malapata de La Sarthe ao terminar num interessante oitavo lugar – além da sua vitória em 1990, 2012 foi a única vez que Martin viu a bandeira de xadrez nas 24 horas. No entanto, não passou de um regresso episódico, e nos dias que correm Martin Brundle é essencialmente conhecido pelo seu trabalho na BBC como um dos melhores analistas de automobilismo de momento.

Martin Brundle, F1, Formula 1

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