Fórmula 1, Enrico Bertaggia: Equipas fracas, resultados nulos


Qualquer piloto teve de precisar de uma enormíssima dose de paciência para competir na Andrea Moda… Principalmente quando se traz o dinheiro e não se vêm resultados… No entanto, Bertaggia até tinha um palmarés mais do que aceitável nas categorias inferiores, mas nunca se conseguiu afirmar na F1.

É por demais sabido que um sem número de pilotos atinge o seu máximo nos karts ou nas fórmulas de promoção, e acaba por nunca vingar ou sequer chegar ao topo, pensando maioritariamente na Fórmula 1 como o auge desta escala. Por vezes, acontece isto com pilotos que, com possibilidades mais elevadas de assinar com as melhores equipas, conseguem brilhar nas categorias inferiores, mas falta “aquele bocadinho assim” para converter em sucesso as performances quando a máquina não é de topo. Outros desmotivam, outros perdem-se ou o dinheiro não chega e acabam por ficar sem oportunidades. Ou, finalmente, têm azar. Enrico Bertaggia é uma mistura de alguns destes fatores.

Sucesso na Fórmula 3:

Enrico Bertaggia nasceu em Noale, nos arredores de Veneza, a 19 de Setembro de 1964, filho de um dono de hotel na cidade dos doges. Desde cedo gostou de automobilismo e, em meados da sua adolescência, começou a correr nos karts, rapidamente se destacando no cenário italiano como um dos mais promissores pilotos de então. Assim, ao aproximar-se dos vinte anos, saltou diretamente dos karts para a Fórmula 2, assinando com a RS Tuning para pilotar um Ralt RT3-Toyota, mas a combinação não foi bem-sucedida e a equipa trocou para motores VW no final da época. Apesar de Enrico se ter qualificado apenas para cinco rondas, foi uma boa aprendizagem para o jovem piloto, que não tinha feito nenhuma categoria intermédia entre os pequenos karts e os bem mais potentes F3, como a Formula Fiat Abarth, por exemplo. Deste modo, 1985 seria a sua primeira verdadeira época na categoria, tendo Bertaggia trocado para a Erre 3 Racing. Infelizmente, ao começar a época com um Ralt RT3-Alfa Romeo, as suas performances ficaram severamente limitadas, e só com o novo Ralt RT30 é que os resultados começaram a aparecer de forma mais significativa. Ainda não foi uma época brilhante, mas assistiu-se a uma consistência cada vez maior do piloto, que chegou pela primeira vez ao pódio e fez uma volta mais rápida, terminando a época em nono no campeonato, com oito pontos.

Até este momento, Bertaggia foi visto como um talento em desenvolvimento, e tal ficou ainda mais corroborado pela transferência para a prestigiada Venturni Racing para a época de 1986, pilotando um Dallara 386-Alfa Romeo. Mas, na verdade, a época não foi muito melhor que a anterior, com apenas um pódio e uma volta mais rápida a destacar, terminando o piloto veneziano em décimo primeiro no campeonato, com apenas mais dois pontos que na temporada anterior e amplamente batido pelo seu colega de equipa Alex Caffi, mas deixando sinais muito positivos como uma performance muito boa que o levou ao sexto lugar no G.P. do Mónaco de F3. Desta forma, chamou a atenção de Guido Forti, que se apressou a contratá-lo para 1987, para correr com um Dallara 387-Alfa Romeo. Finalmente, contra uma oposição bastante interessante, nomeadamente o suíço Andrea Chiesa, Bertaggia alcançou o seu melhor nível e esteve sempre entre os melhores, conseguindo vencer um campeonato após luta titânica com Chiesa, com 56 pontos contra 51 do suíço, vencendo no processo 3 rondas. Desta vez, abandonou por acidente no Mónaco, mas conseguiu um novo sexto lugar no G.P. de Macau. Porém, uma viagem à América do Sul para competir em algumas rondas da F3 local revelou-se totalmente infrutífera.

Ainda assim, estava na hora de avançar, e Bertaggia não teve problemas em arranjar um contrato na F3000 em 1988, mantendo-se com a Forti Corse. O problema é que a equipa não estava habituada àquele nível e, pior do que isso, debatia-se com um chassis Dallara 3087-Cosworth datado, que depois de ter feito 1987 com a Euroventurini, foi inclusive utilizado pela BMS Scuderia Italia para a ronda inaugural do Mundial de F1 de 1988, já que a Dallara não tinha ainda o modelo de F1 pronto e a equipa não queria uma multa por se ausentar de um Grande Prémio!!! Só depois o mais do que cansado Dallara foi “devolvido” à F3000, por isso não é de estranhar que nem Bertaggia nem a Forti Corse tenham conseguido arranjar uma solução para tornar o carro competitivo. Bertaggia falhou a qualificação nas primeiras quatro provas, conseguindo em seguida um fabuloso sétimo em Monza, mas voltou a falhar a qualificação em mais duas provas, e a Forti decidiu, finalmente, trocar o chassis por um Lola T88/50-Cosworth, imediatamente conseguindo melhores performances, se bem que a falta de rodagem do italiano não permitisse surpreender. Para “afogar as mágoas” de uma época desastrosa e repor o seu valor como uma das mais promissoras estrelas da época, Bertaggia decidiu fazer uma aposta arriscada e regressar à Fórmula 3 na G.P. do Mónaco, pilotando um Dallara 388-Alfa Romeo da Forti. Se a performance fosse má, estaria definitivamente “queimado” para os patrões da F1, mas Enrico esteve simplesmente perfeito e dominou com grande à vontade a prova, para conseguir uma fabulosa vitória! Melhor ainda, no final da época, repetiu a performance e o resultado no G.P. de Macau, tornando-se num dos raros pilotos a conseguir o triunfo nas duas clássicas da F3!

Aos 24 anos, a cotação de Bertaggia estava alta, e este começou a ser seguido por algumas equipas de Fórmula 1, nomeadamente a Coloni, embora precisasse de sponsors. Assim, Enrico decidiu fazer mais uma época na F3000, esperava ele, para conseguir lutar pelas vitórias, quando assinou pela equipa oficial da Lola para pilotar o seu T89/50-Judd. No entanto, a combinação era desastrosa, principalmente por culpa do motor e Bertaggia não se qualificou na ronda inaugural. Pior ainda, vendo o fraco potencial do conjunto, a Lola decidiu pura e simplesmente terminar as suas atividades, concentrando-se na venda e assistência às inúmeras equipas cliente. Desempregado, encontrou lugar na pequena Roger Cowman Racing, que usava igualmente um Lola T89/5º, mas com motores Cosworth. No entanto, numa equipa muito pequena, Enrico voltou a falhar clamorosamente, não se qualificando em duas das três rondas que disputou, deixando a equipa após a quarta prova do campeonato. Parecia que o sonho tinha acabado…

Finalmente a Fórmula 1:

Entretanto, Bertaggia já tinha reunido bons sponsors para uma eventual aventura na Fórmula 1, e não demorou a que a Coloni se interessasse verdadeiramente pelo piloto italiano, ainda para mais com o dinheiro trazido pelo piloto titular Pierre-Henri Raphanel a não chegar. Deste modo, o francês foi, finalmente, dispensado após o G.P. da Hungria e Bertaggia estreou-se na F1 com o Coloni C3-Cosworth na Bélgica. Infelizmente, a equipa estava desesperadamente a precisar de dinheiro e a perder os seus melhores técnicos, e nem Roberto Moreno conseguia fazer muito com o carro a não ser muito ocasionalmente, por isso foi uma estreia terrivelmente complicada para Bertaggia, que nunca passou das pré-qualificações, terminando habitualmente no fundo da tabela num ano que contou com 39 monolugares inscritos! Como seria de esperar, o italiano foi dispensado no final da época.

Não desistindo de ser piloto de F1, Bertaggia emigrou para o Japão, graças à crescente popularidade da F3000 local, assinando pela Home Jump Star-Farnbacher, com quem já tinha corrido em Macau, em 1987. No entanto, 1990 foi um ano de adaptação muito difícil e o melhor que Enrico conseguiu foi um terceiro lugar, que lhe deu os únicos pontos de toda a época. No ano seguinte, renovou com a equipa mas os resultados teimaram em não aparecer, e Bertaggia decidiu concentrar os seus esforços no Campeonato Italiano de Turismos, pilotando um Peugeot 405 Mi6 oficial, mas o carro estava longe de ser competitivo e, mais uma vez, o piloto de Veneza ficou bem longe do topo da tabela, em décimo sexto, com apenas vinte pontos.

Ironia das ironias, depois de tanto tempo “apagado”, eis que Bertaggia volta a ter uma oportunidade ao volante de um F1!!! A Coloni, depois de uma época dantesca com Pedro Matos Chaves e Naoki Hattori em 1991, tinha sido comprada pelo magnata italiano da moda Andrea Sassetti, que a renomeou de Andrea Moda e tinha grandes planos para 1992, ampliando a formação para dois carros e contratando Alex Caffi à Footwork e fazendo regressar Bertaggia à F1, muito graças aos avultados patrocínios deste. Pois bem, a Andrea Moda conseguiu ser uma das maiores, senão a maior “telenovela mexicana” da história da disciplina. Sassetti tinha planeado alinhar com o velho Coloni C4 equipado com motores Judd enquanto o novo carro não estava pronto, e assim a equipa partiu para Kyalami. No entanto, havia uma questão administrativa pendente… Ao ter comprado uma equipa preexistente, Sassetti considerava não ter de pagar nenhuma taxa à FISA. No entanto, a entidade federativa sempre considerou a Andrea Moda como uma nova equipa, e exigiam os respetivos dólares. Em Kyalami, a equipa esteve presente nos treinos livres sob apelo, mas o carro partiu às mãos de Caffi e Bertaggia nunca se chegou a sentar nele, porque a Federação decidiu exigir definitivamente os 100.000 dólares requeridos a cada nova formação e Sassetti recusou-se a pagar. Teoricamente, o Andrea Moda S291-Judd já estaria pronto para o México e os pilotos viajaram para o Autódromo Hermanos Rodríguez mas os carros… não chegaram! Pois bem, numa equipa completamente subfinanciada, nem com milagres se vai lá e, na verdade, os carros não estavam prontos. Após semelhante caos, Caffi e Bertaggia foram sumariamente dispensados e substituídos por Roberto Moreno e Perry McCarthy. Entretanto, Bertaggia tinha conseguido mais sponsors, e um desesperado Sassetti tentou, de todas as formas, despedir McCarthy para reintegrar o italiano, mas já tinha usado uma troca de piloto por época, e o plano ruiu por água abaixo, com a equipa a não durar muito mais…

Refúgio nos GT’s:

Findas as ambições de encontrar um volante para 1992, Bertaggia refugiu-se no pequeno Campeonato Britânico de Fórmula 2, com um Reynard 91D-Cosworth da Cobra Motorsport, vencendo a ronda de Silverstone para terminar o campeonato em sétimo. Em 1993, voltou a disputar este campeonato, desta vez com um Reynard 92D-Cosworth da Durango, conseguindo apenas um pódio, mas as suas atenções estavam já focadas num regresso à F3000, sabendo que seria a sua última oportunidade de vir a conseguir nova chance na F1. Bertaggia assinou pela ACE Racing para pilotar um Reynard 92D-Cosworth, substituindo Hilton Cowie, mas a equipa e o conjunto eram muito pouco competitivos, e Enrico alternou entre algumas performances razoáveis e (mais) não-qualificações. No entanto, em Enna-Pergusa deu uma demonstração de todo o seu talento onde, depois de partir do último lugar, levou o datado monolugar ao quinto posto, numa das pistas mais duras e propensas a erros do campeonato. No entanto, no final da época, consciencializou-se que a carreira nos monolugares estava acabada, e decidiu partir para outras aventuras.

Encontramos Bertaggia em 1994 a Correr no Campeonato Italiano de Turismos, ao volante de um Alfa Romeo 155 TS da Top Run, conseguindo alguns pontos na primeira metade da época, antes de se dedicar aos GT’s, assinando pela Callaway Racing, disputando a ronda de Vallelunga do campeonato BPR, com Andreas Fuchs. O par conseguiu a pole e terminou em segundo, o que levou Enrico a assinar com a equipa norte-americana para a temporada seguinte, tentando estabelecer uma carreira semiprofissional nesta categoria. Bertaggia correu a primeira metade da época de 1995 com o Callway Corvette, começando com uma prestação anónima em Daytona, à qual se seguiram novas exibições pouco conseguidas até que, chegados a Le Mans, o carro partilhado por Bertaggia, Johnny Unser e o conceituado Frank Jelinski conseguiu um fenomenal nono posto, que correspondeu ao segundo lugar na categoria GT2! Com o projeto parado até ao ano seguinte, Enrico disputou a segunda metade da época do Campeonato Alemão de Turismos (STW) com um Ford Mondeo Ghia da Team Wolf, mas só conseguiu 16 pontos.

Bertaggia continuou na Callaway em 1996, mas a época foi uma total desilusão. Nas 24h de Daytona, tinha previsto correr ao volante de um carro da marca americana, inscrito por Rocky Agusta, mas só um dos carros é que esteve pronto e Bertaggia ficou de fora. De seguida, iniciou-se a preparação para as 24h de Le Mans, mas definitivamente o novo modelo era bem menos competitivo e a equipa não passou das pré-qualificações. 1997 não foi muito melhor, já que o Callaway C7-R Corvette de Bertaggia/J.Unser/Fellows/Said desistiu cedo, e Enrico só correu de seguida as 12h de Misano, uma prova extracampeonato, sem resultados de relevo. No entanto, em 1998 Bertaggia resolveu deixar a Callaway e, depois de ter competido em Daytona com um Riley&Scott MkIII da Intersport Racing, partilhado com Jon Field, Rick Sutherland, Butch Brickell e Alex Padilla, abandonando durante a noite devido a um incêndio, o italiano assinou pela Kremer Racing para correr com um Kremer K8-Porsche para o campeonato ISRS e para as 24h de Le Mans. Infelizmente, a tripla Bertaggia/Tomas Saldaña/Alfonso de Orleans não conseguiu nunca uma boa performance, ausentando-se de várias provas e não se pré-qualificando em Le Mans. No final do ano, Bertaggia rompeu com a Kremer e assinou pela GLV Brums, partilhando um Ferrari 333 SP com o antigo piloto de F1 Giovanni Lavaggi, mas desistiu em Nürburgring.

Em 1999, Bertaggia assinou com a Roock Racing para pilotar em Daytona, partilhando um Porsche 911 GT2 com Stéphane Ortelli, Claudia Hürtgen e Robert Nearn, classificando-se em 25º e sexto na categoria GT2. De seguida, Enrico aceitou um convite da Kadach Tuning para disputar a Porsche Carrera Cup Alemã, e de imediato o italiano se mostrou um dos pilotos mais competitivos do pelotão, vencendo em Norisring e chegando à última prova, no Nürburgring com ambições reais para terminar como vice-campeão. Infelizmente, numa decisão controversa, os organizadores consideraram que Bertaggia fez falsa partida e foi obrigado a cumprir um stop-and-go que lhe arruinou a prova e o atirou para o quinto lugar no campeonato com 96 pontos. Em 2000, decidiu avançar para a Porsche Supercup internacional, desta vez inscrito pela Carsport-AMAG Racing e, depois de um início da época fraco, que incluiu um acidente no Mónaco, Bertaggia recompôs-se rapidamente e foi segundo em Indianápolis, entre outras prestações nos pontos, o que lhe permitiu terminar o campeonato em décimo, com 67 pontos. Por fim, em 2001 regressou à Porsche Cup Alemã, com a Farnbacher Motorsport, mas não conseguiu andar ao mesmo nível de 1999 e foi apenas oitavo no campeonato. E, no final do ano, decidiu definitivamente pendurar o capacete e dedicar-se a outros projetos.

A reconversão:

Enrico Bertaggia tornou-se instrutor de pilotagem ainda nos seus tempos da F3000, desenvolvendo a sua atividade nessa profissão à medida que se apercebeu que não conseguia profissionalizar totalmente a sua carreira. Depois de ter trabalhado para a Opel e Renault em Itália, Bertaggia juntou-se à prestigiada escola de pilotagem da Ferrari em 1987, sendo o principal instrutor do seleto curso Ferrari Enzo Courses. E, ao mesmo tempo que permaneceu ligado à Ferrari, trabalhou também na grande escola de pilotagem Centro Internazionale Guida Sicura até 2004. Ligado ao Grupo Fiat, Enrico foi instrutor oficial da Alfa Romeo e, posteriormente, da Maserati, para em 2005 se tornar no instrutor oficial da Ferrari GB, mais uma vez trabalhando no exclusivo clube Fiorano Ferrari. De seguida, foi feito diretor desportivo da equipa da Fiorano Ferrari no Challenge Ferrari Europeu até 2010, sendo reputado como um dos maiores instrutores de pilotagem do Grupo Fiat. No entanto, em 2011, mudou-se do Mónaco para os EUA, mais precisamente Las Vegas, para criar a sociedade Dream Racing, um curso de pilotagem de luxo baseado na Superspeedway de Las Vegas, trabalhando inicialmente com Ferraris, mas o projeto expandiu-se muito e é um dos melhores no que concerne a Supercarros de estrada e a carros de competição na Costa Oeste dos EUA.

Sem dúvida que Bertaggia era um piloto muito promissor nas categorias inferiores, mas na verdade faltava-lhe “o tal bocadinho” para fazer a diferença, além de não ser um piloto minimamente consistente. Se chegou à F1 apenas por mérito? De certeza que não, já que foi graças aos seus sponsors que garantiu os lugares. No entanto, também estava longe de ser o pior piloto da sua época e, tivesse tomado outras opções, podia perfeitamente ter-se profissionalizado nos GT’s. Mas as prioridades sempre foram repartidas com a vida profissional, e hoje em dia Bertaggia é um homem bem-sucedido.

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