Rali de Portugal 2011: Sebastiões comem tudo tudo tudo…


Já lá vai uma década, realizou-se precisamente por esta altura. O Rali de Portugal de 2011 ficou marcado pela primeira dobradinha do ano da Citroën. Desta vez, Ogier não vacilou e repetiu a vitória de 2010. Bruno Magalhães surpreendeu com o lugar de melhor português depois de a Armindo Araújo ter faltado sorte para completar um brilharete na estreia da MINI. O tempo passa tão depressa…

Textos de Martin Holmes, Filipe Pinto Mesquita e Ricardo S. Araújo

Na véspera do arranque do Vodafone Rali de Portugal, o governo português caiu. Para os analistas políticos, nacionais e internacionais, foi apenas mais um rude golpe na imagem já de si muito debilitada de Portugal. Mas para quem, como o ACP Motorsport, desde há largos anos, tem também nas mãos a responsabilidade de ajudar a elevar a imagem deste ‘cantinho à beira mal plantado’ com a organização de uma das provas desportivas mais importantes disputada em solo nacional, o pretexto revelou-se perfeito para que a prova pudesse dar o seu contributo (por mais pequeno que possa ser) para ajudar a salvar a dignidade de Portugal.

E, dificilmente o poderia ter feito melhor, com todos os seus intervenientes a saírem do Algarve satisfeitos com a ementa que lhes foi servida. Não é à toa que os principais responsáveis da FIA apontaram o Vodafone Rali de Portugal como um modelo daquilo que deve ser um rali do Mundial, a par do Rali da Finlândia. As equipas não disfarçam a simpatia que nutrem pelo nosso rali, seja porque é um dos mais económicos do Mundial, seja porque é, tecnicamente e a nível organizativo, uma referência e, talvez, o único onde a expressão ‘até ao mais ínfimo pormenor’ nunca parece ser suficiente para contentar quem a organiza.

Os pilotos, também eles, não poupam elogios às seletivas classificativas, porque combinam o grau de rapidez, extensão (24 km de média) e dureza – este ano talvez excessiva devido à chuva que precedeu o rali e ao ‘calçado’ Michelin menos resistente que o Pirelli usado nos anos precedentes – de forma perfeita. E, depois há a massa colorida de espetadores que se transforma no pulmão do rali e sem a qual a prova não poderia respirar. Uma massa que também é cada vez mais conhecedora do produto ‘Rali de Portugal’ e que, por isso, compreende melhor as necessidades da prova se ter afastado das suas emblemáticas catedrais de Sintra, Arganil ou Fafe para obedecer às cada vez mais exigentes diretrizes da FIA e se instalar no mais socializado ‘Allgarve’. É este público que hoje responde aos desafios do rali com um comportamento exemplar e que se poderia dizer ser o último garante de blindagem da prova portuguesa no calendário do Mundial de Ralis, não fossem as eternas nuvens económicas cinzentas que pairam sobre quem o organiza e que involuntariamente tem que fazer depender o seu trabalho das mais altas entidades do país…

Citroën por K.O.

Felizmente, a crise política económica do país também não serviu, no capítulo competitivo, de inspiração aos principais intervenientes do rali, que brindaram os espetadores com um excelente espetáculo.

Apesar de rali ter ficado praticamente decidido no final do segundo dia e só o Power Stage ter ajudado a quebrar a monotonia na parte final do rali, o Vodafone Rali de Portugal trouxe a resposta que nem o Rali da Suécia, nem o do México tinham conseguido dar: qual é, afinal, o carro a bater esta temporada, o Citroën DS3 ou o Ford Fiesta? A história do rali permitiu esclarecer que o carro francês guiado pelos dois Sébastiens (Ogier e Loeb), está um pequeno passo à frente do rival conduzido por Mikko Hirvonen e Jari-Matti Latvala, mas que a diferença é inferior à registada na última geração de World Rally Cars.

Igualmente importante é, também, perceber que essa diferença foi bem mais notória ao nível da fiabilidade do que propriamente no que à competitividade diz respeito, já que nas oito primeiras classificativas – antes do Fiesta de Hirvonen furar e depois partir a suspensão traseira e o de Latvala quebrar uma transmissão – nunca houve mais de 16,7s separar os dois DS3 e os dois Fiesta. Considerando que, tal como referiu Olivier Quesnel, patrão da equipa Citroën, o Vodafone Rali de Portugal é representativo da maior parte das restantes provas do campeonato, então é a Ford que terá mais trabalho pela frente, agora que viu a primeira dobradinha do ano da Citroën roubar-lhe o comando do campeonato de Marcas.

Um trabalho que terá que ser tanto mais perfeccionista pois, num rali com elevado grau de dureza, o DS3 praticamente passou incólume a todas as ‘rasteiras’ mecânicas que o terreno lhe preparou.

Ogier juntou rapidez à sorte

A terceira ronda do Mundial coroou o terceiro vencedor diferente este ano, possibilitou a estreia de um novo construtor – a MINI –, teve três líderes distintos e distinguiu também o terceiro vencedor diferente no Power Stage. Mas, definitivamente, será a terceira vitória de Sébastien Ogier (que estava em ‘jejum’ desde o Japão de 2010) que ficará para a história.

Bastante menos suada que o averbado o ano passado, o triunfo deste ano acabou por ser produto da rapidez inata do francês, mas também fruto de um aproveitamento de circunstâncias especiais. Por um lado, Ogier viu os dois Ford afundarem-se em problemas mecânicos e, por outro, viu o seu principal rival, Loeb, ser prejudicado (pelo pó de Hirvonen), o que lhe deu de bandeja, uma vantagem superior a 25s ou seja, a suficiente para se colocar ao abrigo de qualquer ordem de equipa mais polémica que lhe obrigasse a ceder passagem ao seu chefe de fila.

Na incerteza eterna ficará se, sem o percalço do pó, Loeb podia ter vingado a derrota do ano passado, mas para isso, também teria que haver a certeza que, desta vez, Olivier Quesnel não daria um murro na mesa antes dos seus pupilos se ‘esquecerem’ dos pontos das Marcas!

De qualquer modo, a operação ‘Portugal’ foi produtiva para Loeb, que, com os três pontos do Power Stage, passou a repartir a liderança do Mundial com Hirvonen.

Num rali onde Superespecial de Lisboa deu um colorido diferente à prova, houve outros pilotos em destaque. Petter Solberg voltou a demonstrar a sua rapidez, sendo o piloto que mais classificativas ganhou (seis), mas foi uma proeza que de pouco lhe valeu, quando o azar lhe bateu à porta. É por isso que a sexta posição, atrás do muito regular Matthew Wilson, foi pouco mais do que um prémio de consolação para uma prova de garra. E, acima de tudo, mais meritória que a prestação de Kimi Raikkonen que, apesar dos progressos, continua longe da primeira linha do Mundial de Ralis. Aliás, com essa linha confinada definitivamente aos dois pilotos oficiais da Citroën e da Ford e a Petter Solberg, não foi surpresa ver nomes como Federico Villagra (8º), Henning Solberg (9º) e Dennis Kuipers (10º) a fecharem a lista dos dez primeiros. A surpresa só podia ter vindo de Mads Ostberg que cedo demais (na primeira curva do rali!) hipotecou as possibilidades de fazer melhor que um insignificante 31º lugar.

Dos mais ‘fracos’ reza a história

Mas o Vodafone Rali de Portugal também viveu muito da tradicional luta pelo lugar de melhor português. Bruno Magalhães, no Peugeot 207 S2000, acabou por bater os super favoritos Armindo Araújo e Bernardo Sousa, mostrando que a potência no motor não é tudo. Mas, mesmo assim, foi o bicampeão do Mundo quem mais impressionou pelos tempos averbados na primeira etapa na estreia do MINI JCW S2000 semi oficial, antes da juventude do motor o impedir de ensaiar voos mais altos que o poderiam ter atirado para a liderança do segundo pelotão. Não muito longe, Bernardo Sousa também mostrou que já tem potencial para andar num WRC, mas um violento acidente acabou por atirá-lo para o livro de desistências e lembrar-lhe que é melhor ganhar mais alguma experiência com o S2000 que deverá voltar a guiar na Jordânia, caso o rali se realize…

Curta Metragem

Dia 1 (1ª Parte)

40 mil pessoas viram Hirvonen tornar-se o primeiro líder na SE de Lisboa ● Ostberg bateu na primeira curva e uma roda disparada do seu Fiesta saltou e atingiu um espectador.

Dia 1 (2ª Parte)

Abrir a estrada não foi tão prejudicial como se esperava. Latvala, Hirvonen (+11,5s), Loeb (+13,7s) e Ogier (+16,7s) lutaram durante toda a etapa pela primeira posição, mas os dois homens da Ford só subiram ao topo, após os pilotos da Citroën levantarem o pé para não abrirem a estrada no dia seguinte ● Solberg (ganhou primeiro troço do dia) abandonou no último troço voluntariamente após dois furos ● Armindo foi o melhor português (7º) apesar de alguns problemas com o acelerador do MINI. O outro MINI, de Oliveira, teve problemas de transmissão ● Bernardo desistiu no último troço, após dar seis cambalhotas ● H. Solberg (5º) teve problemas de ignição e Raikkonen (9º) errou na escolha do setup e atrasando-se com um furo.

Dia 2

70 carros reiniciam a segunda etapa que não demorou muito a ‘aquecer’. Hirvonen furou em Vascão 1, parou para mudar o pneu e foi apanhado por Loeb que teve que ir no seu pó, perdendo 30s e caindo para 3º ● Assim, no final da manhã, Ogier comandava com 6,9s sobre Latvala, mas a tarde reservava mais surpresas… ● No penúltimo troço (quando estava a 11,2s de Ogier), Latvala partiu uma transmissão e só com três rodas motrizes até ao final do dia a que juntou ainda um furo, perdeu mais de 4 minutos, enquanto Hirvonen viu a suspensão traseira ceder, baixando para 5º atrás de Wilson ● Ogier terminou o dia isolado à frente com 37,6s sobre Loeb que voltou a ser prejudicado pelo pó dos Ford ● Armindo abandonou depois do motor do MINI começar a trabalhar em três cilindros ● Van Merksteijn desistiu com problemas de motor após atravessar um curso de água ● Al Qassimi teve problemas de ignição e desistiu depois de perder roda.

Dia 3

A chuva fez a sua aparição e Hirvonen só subiu ao quarto lugar definitivo (trocando com Wilson) depois de lhe ser substituída uma transmissão partida ● Solberg venceu dois dos quatro troços, passando para sexto por troca com Raikkonen, mas Loeb triunfou no Power Stage, enquanto Latvala arrecadou dois pontos e Ogier um ● H. Solberg teve problemas de turbo, baixando para nono.

SOBREVIVER E RIR POR ÚLTIMO

Bruno Magalhães, Armindo Araújo e Bernardo Sousa queriam o lugar de melhor português, mas só o Peugeot chegou ao final. MINI e Fiesta WRC deixaram água na boca…

Com um país inteiro a seguir o rali e a relevância própria de um evento do WRC, o lugar de melhor português constitui sempre uma ambição (pública ou secreta) dos principais pilotos nacionais. Em teoria, só os três campeões nacionais poderiam aspirar a esse estatuto – Armindo Araújo, Bernardo Sousa e Bruno Magalhães – mas a questão ficou praticamente decidida logo no penúltimo troço de sábado, quando o MINI John Cooper Works S2000 sucumbiu à dura prova de estreia. Até aí, Armindo Araújo – verdadeira superstar entre os adeptos nacionais – estava a surpreender toda a gente (provavelmente até a MINI/Prodrive), mas o piloto de Santo Tirso foi traído pelo motor do novo carro britânico, que começou a apresentar problemas no final da primeira etapa até parar definitivamente na especial de Vascão, no sábado. No dia anterior, Bernardo Sousa também já tinha ficado de fora após novo despiste violento, vendo depois a FIA impedi-lo de regressar em Super Rally devido a danos no roll bar do Fiesta WRC. O madeirense tinha feito até aí uma prova em crescendo, mas rodando sempre atrás de Armindo Araújo.

Melhor era impossível

… E restou Bruno Magalhães. Com um Peugeot 207 S2000 ‘atmosférico’, naturalmente menos competitivo que os WRC turbo nas duras especiais de terra do Baixo Alentejo e Algarve, Magalhães fez uma prova consistente e a aproveitar as circunstâncias. Além de ter sido o 12º da geral, o piloto da Peugeot foi o melhor dos S2000 (2m21s na frente do Skoda do jovem estónio Karl Kruuda), o melhor piloto português e, pormenor importante, ainda readquiriu ritmo e confiança após forte acidente sofrido no último Rali de Monte Carlo, na abertura do IRC: “De facto, esta prova é muito, muito dura, mas o resultado foi bem melhor do que em 2009”, recordou Bruno Magalhães aludindo à participação anterior no Rali de Portugal, quando desistiu devido a problemas de motor. “Acima de tudo queria recompensar todo o trabalho da equipa e o apoio dos concessionários Peugeot depois do acidente em Monte Carlo. Só tive problemas de travões nos primeiros três troços e depois o carro esteve quase perfeito. Não se pense que relaxei quando o Armindo (Araújo) desistiu. Andei rápido e cheguei a fazer o nono tempo numa especial logo atrás dos WRC (ndr, PE13)”. O tricampeão nacional vai agora preparar a segunda prova do IRC, o Rali Ilhas Canárias, disputado de 14 a 16 de abril.

CLASSIFICAÇÃO Vodafone Rali de Portugal Estrutura: 4 Dias e 17 PE Elegibilidade: WRC (3/13), PWRC (2/7), Academy WRC (1/6), CPR (2/8) Equipas à partida: 75 Equipas à chegada: 38

CL PILOTO/NAVEGADOR CARRO TEMPO

1º Sébastien Ogier/Julien Ingrassia Citroën DS3 WRC 4h10m53,4s

2º Sébastien Loeb/Daniel Elena Citroën DS3 WRC a 31,8s

3º Jari-Matti Latvala/Miikka Anttila Ford Fiesta RS WRC a 3m22,1s

4º Mikko Hirvonen/Jarmo Lehtinen Ford Fiesta RS WRC a 6m16,3s

5º Matthew Wilson/Scott Martin Ford Fiesta RS WRC a 7m48,5s

6º Petter Solberg/Chris Patterson Citroën DS3 WRC a 10m17,4s

7º Kimi Raikkonen/Kaj Lindstrom Citroën DS3 WRC a 10m54,1s

8º Federico Villagra/Jose Diaz Ford Fiesta RS WRC a 11m38,8s

9º Henning Solberg/Ilka Minor Ford Fiesta RS WRC a 14m16,4s

10º Dennis Kuipers/Frederic Miclotte Ford Fiesta RS WRC a 17m54,6s

11º Hayden Paddon/John Kennard (1º PWRC) Subaru Impreza STi a 22m40,0s

12º Bruno Magalhães/Paulo Grave Peugeot 207 S2000 a 24m02,0s

13º Karl Kruuda/Martin Jarveoja Skoda Fabia S2000 a 26m23,5s

14º Khalid Al Qassimi/Michael Orr Ford Fiesta RS WRC a 27m10,1s

15º Jukka Ketomäki/Kai Risberg Mitsubishi Lancer Evo X a 30m19,9s

(…)

21º Pedro Meireles/Mário Castro(1º CPR) Mitsubishi Lancer Evo X a 39m31,2s

33º João Silva/José Janela Renault Clio R3 a 1h00m34,1s

34º Rui Lousado/Luís Assunção Mitsubishi Lancer Evo IX a 1h02m32,1s

37º João Fernando Ramos/Jorge Carvalho Mitsubishi Lancer Evo VIII a 1h47m56,4s

38º Paulo Neto/Daniel Amaral Citroën DS3 R3T a 2h06m57,2s

Diferentes líderes: M. Hirvonen, PE 1 à PE 3; S. Ogier, PE 4 à PE 6; J. M. Latvala, PE 7 à PE 9; S. Ogier, PE 10 à PE 17.

Principais abandonos: D. Oliveira (despiste, PE 17); B. Sousa, (despiste, PE 7); A. Araújo, (motor, PE 12), G. Linari (prob. mecânico, PE 17); A. Grondal (prob. mecânico, PE 12); F. Protasov (desconhecido, PE 13); R. Moura (transmissão, PE 13); E. Veiga (quebra direção seguido de despiste, PE 15); P. Freire (desconhecido, PE 15), I. Nogueira (depósito gasolina, PE 7).

CAMPEONATOS

Pilotos: 1º M. Hirvonen, 58 pontos; 2º S. Loeb, 58; 3º J. Latvala, 48; 4º S. Ogier, 41; 5º P. Solberg, 31; 6º M. Ostberg, 28; 7º M. Wilson, 12; 8º H. Solberg, 10; 9º K. Raikkonen, 10; 10º P. Andersson, 6.

Marcas: 1º Ford Abu Dhabi WRT, 100 pontos; 2º Citroën Total WRT, 90; 3º M-Sport Stobart, 40; 4º Petter Solberg WRT, 22; 5º Ice 1 Racing, 16.

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