» Textos: André Bettencourt Rodrigues

» Fotos: Oficiais e Arquivo AutoSport

 

O EFEITO SCHUMACHER


Em 2006, Michael Schumacher anunciava ao mundo aquela que seria a sua primeira retirada da Fórmula 1. Apesar de ter regressado ao desporto pela mão da Mercedes, o piloto alemão nunca mais voltaria a correr pela equipa italiana, deixando para trás um legado difícil de ignorar por qualquer adepto da casa italiana…

Foram dez anos. De conquistas, alegrias, alguns dissabores, momentos controversos e muitos, muitos títulos. Quando Michael Schumacher se juntou à Ferrari, em 1996, a ‘Scuderia’ vivia o maior período de ‘seca’ da sua história, enquanto o alemão era um bicampeão do mundo, com 16 vitórias conquistadas em quatro anos e meio de enorme sucesso (e mais alguma polémica) com a Benetton de Flavio Briatore.

Jean Todt viu nele as características certas para iniciar a recuperação dos italianos: personalidade vincada, liderança, conhecimento técnico, interesse, trabalho e entrega. Mas também compostura e uma rapidez incrível que o tornavam num ativo valiosíssimo aos 26 anos. Schumacher, por outro lado, tinha a oportunidade de se juntar ao nome mais desejado da Fórmula 1, assinando pelo caminho um contrato milionário de 30 milhões de dólares por ano, fruto da sua idade e estatuto de bicampeão, que deu início ao império que acabou por construir. E ainda o desafio perfeito: devolver a Ferrari ao lugar que o seu palmarés exigia com a ajuda de Ross Brawn, diretor técnico, e Rory Byrne, designer-chefe – os homens que tinham influenciado os seus títulos na Benetton.

GRANDES ALEGRIAS

A memória prega-nos algumas partidas, mas o desafio era efetivamente desmedido. Nos cinco anos anteriores à sua chegada, entre 1991 e 1995, a Ferrari havia registado apenas dois triunfos – um em 1994, com Gerhard Berger, no GP da Alemanha, e outro em 1995, no GP do Canadá, naquele que seria o primeiro e único triunfo da carreira de Jean Alesi. Além da mudança da dupla de pilotos – Schumacher e Eddie Irvine, vindo da Jordan, juntaram-se à ‘Scuderia’, enquanto Berger e Alesi prolongaram a parceria na Benetton –, uma das primeiras decisões do novo corpo técnico foi deixar de parte o tradicional V12, cuja sonoridade ainda hoje é inesquecível, mas que do ponto de vista da eficiência de combustível e do peso há muito que tinha perdido a sua competitividade para os mais modernos e pequenos V10. Aproveitando também as alterações no regulamento, com a cilindrada dos motores a descer de 3500 para 3000 cc, a Ferrari cortou em definitivo com o passado e iniciou o processo que, já em 1996, lhe traria grandes alegrias, apesar da pouca fiabilidade do F310. Nesse primeiro ano da ligação Schumacher-Todt-Brawn-Byrne, o alemão festejou três vitórias (Espanha, Bélgica e Itália), todas em condições memoráveis, com a mais importante a surgir em Monza, em frente aos ‘tifosi’ italianos. Cinco pódios contribuíram também para o 3º lugar do campeonato, apesar das seis vezes em que não chegou ao fim no decorrer da temporada. Uma reviravolta completa que prometia futuros sucessos desportivos.

No ano seguinte, em 1997, a Ferrari optou pela continuidade, correndo com uma versão B do F310. O piloto alemão voltou a justificar a opção da equipa e o salário astronómico que lhe pagavam, desta feita com cinco triunfos e três pódios em 17 corridas. Mas tal como em 1994, ano do seu primeiro título mundial, a controvérsia acompanhou-o na última corrida do ano, com o GP da Europa, em Jerez, a ser o palco de uma situação semelhante à que três anos antes sucedeu no circuito australiano de Adelaide. Schumacher partia para o desfecho do campeonato com um ponto de vantagem sobre o canadiano Jacques Villeneuve, e quando este o tentou ultrapassar na 22ª de 69 voltas, ‘Schumi’ fechou-lhe a porta, atirando o Ferrari para cima do Williams-Renault. O impacto foi forte e por muito pouco Villeneuve não desistiu, enquanto Schumacher ficou pelo caminho. Terminaria em terceiro, atrás da dupla da McLaren composta por David Coulthard e Mikka Hakkinen, com o finlandês a festejar a primeira vitória da carreira, o suficiente para garantir o título sem ajudas externas. Mas o incidente seria revisto pela FIA, resultando na desqualificação de Michael Schumacher do campeonato desse ano por conduta anti-desportiva.

Após esse final de época dramático, a Ferrari trouxe um novo carro de acordo com o regulamento para a temporada de 1998. Embora competitivo, o McLaren-Mercedes MP4/13 provou ser melhor do que o Ferrari F300. Mas ‘Schumi’ continuava a ganhar, acabando por vencer seis provas – três delas consecutivas. O título voltou a arrastar-se até à última corrida do ano, agora em Suzuka, no GP do Japão, mas ainda não seria desta que o piloto alemão venceria o título de pilotos com a equipa italiana. Hakkinen levou para casa a vitória e o seu primeiro campeonato, enquanto Schumi sofreu no arranque e ainda com um furo. Em 1999, novo título para Hakkinen, desta feita contra Eddie Irvine, depois de Schumacher ter sofrido o primeiro (e único) grande acidente da carreira durante o GP do Reino Unido, em Silverstone, obrigando-o a falhar sete provas ao longo da temporada (Inglaterra, Áustria, Alemanha, Hungria, Bélgica, Itália e o GP da Europa, em Jerez). Terminou ainda assim na quinta posição no campeonato relativo aos pilotos, com duas vitórias e quatro pódios, resultados determinantes para que a Ferrari vencesse pela primeira vez em 16 anos o título de construtores.

REVIRAVOLTA

O novo milénio trouxe uma nova época de domínio e era para a Ferrari. A recuperação iniciada em 1996 com a contratação de Schumacher e o reforço da equipa técnica começava a dar os seus frutos com o primeiro título de construtores, em 1999, e uma onda de triunfos como há muito não se via. Mas o que se seguiu daí para a frente foi simplesmente inacreditável: cinco títulos consecutivos de pilotos e cinco de construtores até à retirada do piloto alemão, com um nível de domínio poucas vezes visto na história da modalidade. Em 2000, Schumacher venceu 9 das 17 corridas desse ano tornando-se finalmente campeão pela Ferrari, o primeiro piloto a consegui-lo em 21 anos desde Jody Sheckter, coroado em 1979. No ano seguinte, 2001, mais nove vitórias e o festejo de novo campeonato a quatro corridas do final da temporada, enquanto em 2002 o piloto alemão fez ainda melhor ao subir ao lugar mais alto do pódio por 11 vezes. Com as quatro vitórias de Rubens Barrichello, a dupla da Ferrari venceu 15 das 17 corridas desse ano – um feito extraordinário que exemplifica bem a sua supremacia. Mas, tal como no ano anterior, a época seria manchada pela polémica. Novamente no GP da Áustria, a equipa voltou a pedira ‘Rubinho’ para que deixasse passar o colega de equipa no A1-Ring. Na Ferrari, garantir o título a qualquer custo era uma prioridade. Embaraçado, Schumacher pediu a Rubens que subisse com ele ao lugar mais alto do pódio, decisão que conduziu a uma multa da FIA de um milhão de dólares e à proibição das ordens de equipa. Em 2003, novo sucesso, mas à custa da pouca fiabilidade da McLaren, com Kimi Raikkonen a perder o campeonato na última prova do ano, no Japão, por dois pontos, enquanto Schumacher superou Juan Manuel Fangio ao conquistar o seu sexto título de pilotos.E por fim 2004, num ano replete de recordes pessoais, já que ‘Schumi’ venceu 13 das 18 provas do ano, com 12 a terem lugar nos primeiros 13 Grandes Prémios. Nos dois anos seguintes até à sua retirada, Schumacher e a Ferrari continuariam a ser competitivos (menos em 2005, quando a equipa optou por introduzir uma versão modificada do F2004, o F2004M, e depois de se ver confrontada com a falta de andamento do carro apressou a introdução do sucessor F2005). Mas a Renault e um jovem Fernando Alonso provaram ser demasiado fortes, vencendo os dois campeonatos em disputa de forma consecutiva. O grande destaque do seu último ano foi a vitória no GP de Itália, precisamente aquele em que anunciou a sua despedida da modalidade. Saiu em grande, com sete vitórias (mais seis do quem 2005) e a lutar até ao final por aquele que seria o seu oitavo título de campeão do mundo. Contas feitas, os dez anos que esteve ao serviço da Ferrari tornam-no no piloto mais representativo da história da equipa, com 72 vitórias, 44 pódios e 57 ‘poles’ em 180 corridas com o escudo do ‘Cavallino Rampante’.

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