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Clay Regazzoni (05/09/1939 – 15/12/2006): Uma questão de coração


Clay Regazzoni foi um dos maiores e mais mal compreendidos talentos natos, que passaram pela F1. Um dos últimos “gentleman drivers”, numa época em que a F1 começar a profissionalizar-se, tinha um coração enorme, apenas comparável á quase suicida coragem que o possuía e o fazia andar sempre a fundo. O seu primeiro triunfo na F1, em Monza, no ano de estreia, mas, principalmente, a sua última vitória, no GP da Grã-Bretanha de 1979, dizem tudo sobre o seu caráter e a sua perseverança.

“Rega”, como era também afetuosamente conhecido, nasceu em Mendrisio, no condado suíço de Ticino, perto da fronteira com a Itália e onde, precisamente, a língua que se falava era o italiano. O seu nascimento ocorreu precisamente cinco dias depois do início da II grande Guerra e o jovem mudou-se cedo para Porza, uma aldeia vizinha, onde cresceu, longe das confusões do conflito.

Apesar de as corridas terem sido banidas na Suíça, por causa do acidente nas 24 Horas de Le Mans de 1955, em que morreram mais de 80 espetadores, Clay Regazzoni cedo se apaixonou pela competição automóvel. Mas, para se estrear, teve que atravessar a fronteira, rumo a Itália. E foi aí, que, em 1963, com 24 anos, fez as suas primeiras corridas, ao volante de um Austin Healey Sprite, conquistando dois pódios nas três primeiras corridas em participou. No ano seguinte, correu com um mais manejável Mini Cooper e, em 1965, começou a correr em monolugares, na F3, com um Brabham, passando a pilotar um De Tomaso em 1966. A sua rapidez e coragem valeram-lhe um convite para piloto oficial da marca italiana Tecno, no Europeu de F3, a partir de 1967.

Em 1968, depois de um violento acidente no GP do Mónaco de F3, em que o diminuto Tecno passou por baixo dos “rails”, após a chicane da saída do túnel, sem que a cabeça do piloto fosse decepada, graças à robustez do “roll bar”, que obrigou a chapa das barreiras a ceder drasticamente, Regazzoni subiu o degrau para a F2, sempre com a Tecno.

Este seu primeiro ano a F2 deu-lhe alguns bons resultados, como o 2º lugar em Crystal Palace ou o 3º em Enna-Pergusa, na Sicília, mas também lhe valeu o desprezo de alguns dos seus colegas de pista, que o acusaram de ter causado o acidente em que morreu, em Zandvoort, o inglês Chris Lambert, ao atirá-lo para fora de pista, contra uma árvore.

Imperturbável, Clay Regazzoni, depois de um ano de 1969 abaixo das expetativas, “vingou-se” em 1970, sagrando-se vencedor do Campeonato da Europa de F2, após ganhar as provas de Hockenheim, Rouen, Enna-Pergusa e Imola, com um Tecno/Ford.

Ao mesmo tempo, estreou-se na F1, exatamente no GP da Holanda, em Zandvoort. Largou de 6º na grelha de partida e terminou em 4º, conquistando os seus primeiros pontos e garantindo um talento acima do normal – como, aliás, se tinha visto nos anos anteriores, mas que tinha sido ofuscado pelo seu espírito, segundo alguns, demasiado combativo e agressivo em pista.

E nesse ano, começou também a correr nos Sportscar, como piloto oficial da Ferrari. Venceu algumas provas nos três anos seguintes mas, em 1973, o 312P deixou de ser competitivo, a Ferrari abandonou o campeonato e Regazzoni aceitou correr com a Alfa Romeo, num P33. Porém, igualmente sem resultados e, no final do ano, dedicou-se a tempo inteiro à F1.

Fórmula 1: o seu “reino”

Em 1970, a Ferrari começou o ano com apenas um carro, entregue a Jacky Ickx mas, depois, decidiu experimentar alguns jovens “lobos”. Na Bélgica, deu a oportunidade a Ignazio Giunti e, na Holanda, a Clay Regazzoni. Este agradeceu com um 4º lugar, o que convenceu o “comendatore” a deixá-lo continuar. E, até ao fim do ano, abandonou apenas em Hockenheim e não pontuou em Watkins Glen. Em todas as outras provas, terminou dentro dos pontos: depois do 4º lugar em Zandvoort, foi 2º na Áustria, Canadá e México e venceu em Itália – uma prova que ficou marcada pela morte de Jochen Rindt que, no final da temporada, se tornou no único Campeão do Mundo póstumo. Clay Regazzoni foi 3º no campeonato, com 33 pontos – nada mau para quem começou a meio e apenas fez oito GP!

Em 1971, Regazzoni tornou-se piloto a tempo inteiro da “Scuderia”, ocupando o lugar que devera ter sido de Ignazio Giunti, que entretanto morreu num acidente numa prova de “Sport”, em Buenos Aies. Mas o carro não foi um grande sucesso e, no final de 1972, suíço decidiu mudar-se para a BRM, onde encontrou Niki Lauda como colega de equipa. Então, após um ano de 1973 pouco menos que desastroso, ambos foram convidados por Luca di Montezemolo, que tinha assumido o controlo da Ferrari, para correr em 1974 na casa de Maranello. Lauda era o primeiro piloto, mas isso nunca intimidou “Rega”, que revidou com um triunfo no GP da Alemanha em 1974 e, em 1975, com mais uma vitória em Monza, além de ter também ganho o GP da Suíça, em… Dijon, uma prova que não pontuava para o Campeonato. Em 1976, voltou a ganhar uma prova, mas acabou despedido no final do ano, sendo substituído por Carlos Reutemann.

Nas temporadas seguintes, primeiro na Ensign, depois na Shadow, a sua carreira entrou em fase descendente. Mas, em 1979, esta tendência inverteu-se subitamente, ao ser convidado por Frank Williams para correr na sua equipa, a lado de Alan Jones. Regazzoni aproveitou a oportunidade com unhas e dentes e, adaptando-se estranhamente bem às exigências dos carros com fundo plano, venceu em Silverstone, deixando estupefactos todos os analistas, pois tinha já quase 40 anos e ninguém dava nada por ele, num meio tão exigente como a F1.

Contudo, mal agradecido para com o piloto que lhe ofereceu a sua primeira vitória, Frank Williams despediu-o sem mais nem menos e, em desespero de causa, Regazzoni regressou à medíocre Ensign, que tinha sido revitalizada com o dinheiro da Unipart. Em má hora o fez: um acidente em Long Beach acabou não apenas com a sua carreira, pois atirou-o em definitivo para uma cadeira de rodas. (v. Caixa)

Clay Regazzoni foi casado com Maria Pia, de quem teve dois filhos, Alessia e Gian Maria. Passou os últimos anos da sua vida em correrias entre o Mónaco e Lugano, onde vivia, mas não foi numa dessas viagens que encontrou a morte. A 15 de Dezembro de 2006, ao volante do seu Chrysler Voyager, seguia na A1, a cerca de 100 km/h. De súbito, nas proximidades de Parma, por motivos desconhecidos, perdeu o controlo do carro, embateu nas traseiras de um camião e teve morte imediata. Tinha 67 anos, dos quais mais de 40 dedicados ao automobilismo de competição.

30 de Março de 1980, Long Beach: Quando tudo terminou

Long Beach, Grande Prémio dos Estados Unidos – Oeste, quarta prova do campeonato do mundo de F1. Primeira volta, travagem para a primeira curva: Ricardo Zunino (Brabham), Mario Andretti (Lotus), Jochen Mass (Arrows) e Jean-Pierre Jarier (Tyrrell) tocam-se, o Brabham e o Lotus ficam incapazes de prosseguir, sendo abandonados no final da escapatória de Queen’s Hairpin, o gancho à direita no final da reta principal, junto ao muro de betão.

Volta 50: Clay Regazzoni, ao volante do seu Ensign, chega à travagem para Queen’s Hairpin a mais de 300 km/h, quando tenta travar. O pedal vai ao fundo, mas a velocidade quase não diminui, porque o acelerador tinha ficado bloqueado e, sem alternativa, o piloto entra pela escapatória a alta velocidade, embatendo a cerca de 240 km/h no Brabham de Zunino. O Ensign é catapultado n ar e, em voo, passa por cima das barreiras de pneus e explode contra o muro de betão, para lá dessas barreiras.

Mais tarde, Emerson Fittipaldi, que estava em luta com Regazzoni e John Watson pelo 4º lugar, disse que ouviu um “bang!” impressionante e que ficou com a certeza de que o suíço não tinha sobrevivido ao choque.

Felizmente, sobreviveu. Foram precisos mais de 20 minutos para o retirar dos destroços e foi imediatamente transportado de helicóptero, para o hospital mais próximo, onde sofreu uma operação de cinco horas. Os ferimentos na espinal medula provocaram-lhe paralisia da cintura para baixo, passando a ter que se deslocar numa cadeia de rodas para o resto da sua vida. Regazzoni colocou os responsáveis pela pista em tribunal, que anos depois rejeitou o seu pedido de 20 milhões de dólares de indemnização.

Em consequência do acidente, a FIA exigiu, logo a partir do ano seguinte, testes de solidez mais eficazes aos carros de F1, nomeadamente no que diz respeito á segurança dos “cockpit”.

Mesmo paralisado… há mundo para lá da F1

O acidente de Clay Regazzoni e a sua incapacidade física a partir daí, não o impediram de continuar ligado aos automóveis. Nem, sequer, de participar em corridas. A sua recuperação foi lenta, dolorosa e muito complicada e nunca mais conseguiu utilizar as suas pernas. Na realidade, a sua recuperação foi um motivo de inspiração para muitas pessoas, ligadas ou não às corridas de automóveis e Regazzoni fundou mesmo uma organização de apoio a pessoas com problemas semelhantes ao seu.

Clay Regazzoni conseguiu recuperar a sua licença desportiva, anos mais tarde e tornou-se num dos primeiros pilotos de automóveis a disputarem corridas ao mais alto nível, mesmo sendo aquilo que se chama “deficiente”. Porém, o seu regresso á F1 tornou-se impossível. Mas, em carros preparados e transformados de acordo com as suas necessidades, Regazzoni participou no Rali Dakar em 1986, com um camião Isuzu e em corridas de “Sport”, nomeadamente as 12 Horas de Sebring de 1993. Curiosamente, três anos depois viu-lhe ser recusada pela FIA a superlicença necessária para pilotar carros no Campeonato do Mundo de Sport!

Piloto de testes ocasional em algumas marcas de automóveis, como a Mercedes, bem como comentador de F1 para cadeias de televisão suíças e italianas, Regazzoni regressou em 1994 ao “local do crime”, participando então na Toyota Pro/Celebrity Race, uma corrida de apoio ao programa da IndyCar.

Em 1982, publicou o livro “É questione di cuore”, em que conta de forma íntima a sua experiência e tudo o que sofreu durante a sua recuperação.

A derradeira corrida oficial de Regazzoni foi em 2000, quando tomou parte, ao volante de um Mercedes-Benz 6.3 especialmente modificado, na London-Sydney-Marathon. Tinha 61 anos. Nos seus últimos anos, tornou-se um crítico virulento do panorama da F1, garantindo que tudo se estava a tornar “uma questão de dinheiro e não um desporto”. Uma atitude totalmente o oposto do “velho” Clay que, nos seus anos de glória, chegou a dizer a Niki Lauda, seu colega de equipa e dez anos mais novo que “se começas a conduzir como uma mulher, nunca serás grande!”

Clay Regazzoni

Nome: Gianclaudio “Clay” Giuseppe Regazzoni

Nascimento: 5 de Setembro de 1939, em Mendrisio, Ticino, Suíça

Falecimento: 15 de Dezembro de 2006, em Fontevivo, Emilia-Romagna, Itália (Causa: acidente de viação. 67 anos)

Anos de atividade: 1963-2003

Atividade na F1: 21/06/1970-30/03/1980

Primeiro GP F1: GP Holanda 1970

Último GP F1: GP Estados Unidos Oeste 1980

1ª vitória F1: GP Itália 1970

Última vitória F1: GP Grã-Bretanha 1979

GP disputados: 139 (132 largadas)

Vitórias: 5

“Pole positions”: 5

Melhores voltas em corrida: 15

Pódios: 28

Pontos: 209 (212)

Melhor resultado CM F1: 2º, em 1974 (52 pontos; vice-Campeão, a 3 pontos de Emerson Fittipaldi)

Marcas/Equipas: Ferrari (1970-72; 1974-76); BRM (1973); Ensign (1977; 1980); Shadow (1978); Williams (1979)

PALMARÉS (F1)

1970 – Ferrari: 8 GP; 1 vitória (GP Itália, Monza); 3º CM, 33 pontos

1971 – Ferrari: 11 GP; 7º CM, 13 pontos

1972 – Ferrari: 10 GP; 6º CM, 15 pontos

1973 – BRM: 14 GP; 17º CM, 2 pontos

1974 – Ferrari: 15 GP; 1 vitória (GP Alemanha, Nürburgring); 2º CM, 52 pontos

1975 – Ferrari: 14 GP; 1 vitória (GP Itália, Monza); 5º CM, 25 pontos

1976 – Ferrari: 15 GP; 1 vitória (GP USA Oeste, Long Beach); 5º CM, 31 pontos

1977 – Ensign/Ford: 17 GP; 17º CM, 5 pontos

1978 – Shadow/Ford: 16 GP; 16º CM, 4 pontos

1979 – Williams/Ford: 15 GP; 1 vitória (GP Grã-Bretanha, Silverstone); 5º CM, 32 pontos

1980 – Ensign/Ford: 4 GP; nunca pontuou

PALMARÉS (extra-F1)

1965-68 – Campeonato da Europa de F3 (1965: Brabham; 1966: De Tomaso); 1967-68: Tecno)

1968-70: F2 (Tecno)

1970 – Campeão da Europa de F2; 24 Horas de Le Mans (SpA Ferrari SEFAC/Ferrari 512 S), c./Arturo Merzario, abandonou

1970-73 – “sportscars” (Ferrari; Alfa Romeo)

1971 – 2º 1000 Kms.BOAC, Brands Hatch (Ferrari 312P, c./Jacky Ickx); 1º 500 Kms.Imola (Ferrari 312P, c./Jacky Ickx); 1º 9 horas Kyalami (Ferrari 312P, c./Brian Redman)

1972 – 2º 1000 Kms.Buenos Aires (Ferrari 312P, c./Brian Redman); 2º 1000 Kms.Spa (Ferrari 312P, c./Brian Redman); 1º 1000 Kms.Monza (Ferrari 312 P, c./Jacky Ickx)

1977 – Indy 500 (Theodore Racing/McLaren M16C/D-Offy), 30º

1986 – Paris-Dakar (Isuzu nº 330, c./Orioli/Rosolen, 44º lugar)

1992 – Rally de Regularidad Buenos Aires – New York (Mercedes-Benz)

1993 – Baja Aragón (Mercedes-Benz 600 SC); 12 Horas Sebring

1994 – Toyota Pro/Celebrity Race (Long Beach)

1998 – Tour de España Lancia Classic (Lancia Aurelia B20)

2000 – London-Sydney Marathon (Mercedes-Benz 6.3)

2002 – Copa Honda Yaris

2003 – Copa Honda Yaris

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