Como nasceu o Campeonato de Portugal de Ralis


Seis décadas separam Armindo Araújo de Fernando Stock. O primeiro e o último são os extremos de uma linha cronológica e de uma galeria de campeões que ao longo das décadas foram fazendo da sua paixão, a ‘nossa’. Os ralis em Portugal e os homens que lhes emprestaram o talento e a emoção estão de parabéns. Como tudo na vida, o Campeonato de Portugal de Ralis teve um começo e é disso que vamos falar nas próximas linhas.

Apesar da data do seu arranque não ser consensual, uma vez que o primeiro campeonato apenas foi oficialmente instituído em 1966, a verdade é que os arquivos da FPAK atribuem a 1956 o início desta competição, logicamente ainda num formato distante daquele que passou a vigorar mais tarde, cabendo a Fernando Stock inaugurar o álbum de ouro.

O primeiro campeonato A história começou então a escrever-se a meio da década de 50, quando o Automóvel Clube de Portugal, a então Autoridade Desportiva Nacional, instituiu aquele que viria a ser o primeiro Campeonato Nacional de Condutores, com provas de estrada (sob a fórmula de ralis turísticos) e de velocidade, disputadas em circuitos e rampas. Durante estes primeiros anos não houve propriamente a atribuição de um título de Ralis, mas antes o consagrar de Campeões Nacionais Absolutos, por Equipas e também por Grupos (Turismo de Série, Turismo Especial, GT, GT Especial e Sport), já que todos os tipos de carros eram admitidos.

Nesse período, os ralis tinham ainda pouca ou nenhuma exigência competitiva: os automóveis utilizados eram estritamente de série e a velocidade não era ainda um elemento fundamental, na medida em que os participantes deveriam apenas superar o percurso estabelecido a uma determinada média horária. Por norma, entre os 40 e os 50 km/h – tanto quanto a então Direcção-Geral dos Transportes Terrestres autorizava.

Mas como estas médias eram relativamente fáceis de cumprir, mesmo para a época, os organizadores sentiram a necessidade de acrescentar uma ou duas provas complementares de perícia (aceleração, marcha-atrás ou slalom) para determinar a classificação daqueles que terminassem a prova de estrada sem penalizações. Assim, de meros passeios de regularidade, os ralis passaram a ser decididos na estrada, onde já não era possível fazer “tudo a zero”, com a colocação de Controlos Horários consecutivos, a maioria deles com mais quilómetros do que os indicados nas cartas de itinerários, o que tornava as médias impossíveis de cumprir, levando todas as equipas

a penalizar. No fundo, era o figurino europeu da época.

Nasciam os ralis modernos

Usando este artifício legal, estava aberto o caminho para os ralis modernos e para o nascimento das chamadas Provas Especiais de Classificação (vulgo, PEC), solução encontrada pelos organizadores escandinavos no final da década de 50 para fazer face às muitas restrições impostas pelas autoridades locais, quando o aumento do tráfego se tornou evidente e a Europa estava bastante sensível aos problemas de segurança das provas automobilísticas. Na memória de todos estavam ainda os graves acidentes nas 24 Horas de Le Mans de 1955 (onde 83 espectadores perderam a vida com o acidente do Mercedes de Levegh) e nas Mille Miglia de 1957 (quando o Ferrari de Alfonso de Portago se despistou, matando 11 espectadores).

Por esse motivo, os clubes apresentaram a possibilidade de realizar ralis em estradas fechadas ao tráfego, somando no final os melhores tempos em cada troço cronometrado,num esquema que foi evoluindo até se chegar à fórmula próxima dos troços cronometrados . Mesmo assim, não foi uma transição pacífica e fácil, pois era necessário mudar as mentalidades dos organizadores e dos próprios pilotos, até aí habituados a ganhar nos piões e travagens das provas complementares. Visionários portugueses Durante largos anos, os ralis portugueses continuaram fiéis a este último modelo, à semelhança do acontecia em Inglaterra, enquanto no resto da Europa

as provas de estrada começavam já a oferecer verdadeira competição.

Mas, graças à visão de Carlos Fonseca (Estrela e Vigorosa Sport) e Heitor de Morais (100 à Hora), os ralis em Portugal viriam também a sofrer uma profunda revolução. O primeiro mostrou o caminho a seguir no seu Rali de Montanha de 1952, enquanto o segundo transformou em definitivo o panorama dos ralis nacionais, a partir da sua Volta a Portugal de 1963. Uma edição que contou ainda com provas de perícia, rampas e circuitos, mas cuja classificação foi já estabelecida nos inúmeros controlos horários espalhados ao longo do percurso. A vitória sorriu a Manuel Gião (Cooper S), apesar de Horácio Macedo ter vencido quase todas as complementares com o seu Ferrari 250 GT.

No ano seguinte, ainda não satisfeito, Heitor de Morais deu outro importante impulso à modernização dos ralis em Portugal, adoptando o figurino escandinavo na XV Volta a Portugal – a primeira prova nacional a utilizar troços cronometrados. Pouco a pouco, outros organizadores seguiram-lhe o exemplo, alargando os ralis nacionais a outras regiões, como Montejunto, Cabreira ou Arganil. Sem ser indiferente a este novo contexto, a Comissão Desportiva Nacional, antecessora da actual Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, decidiu abandonar em definitivo o estilo de provas mistas (ralis, velocidade e provas de regularidade), dividindo o Campeonato Nacional de Condutor Completo, existente desde 1955, em Campeonatos Nacionais de Ralis, Velocidade e Regularidade, a partir de 1966.

Separadas as águas Aprovada esta alteração, que depressa se alargou a outras latitudes, os ralis ganharam uma outra competitividade e popularidade, tendo o Campeonato Nacional se realizado sem interrupção desde então, excepção feita a 1974, ano em que a crise petrolífera mundial impediu a sua efectivação.

Nesse ano de estreia, o Campeonato Nacional de Ralis foi dividido em oito provas, cabendo ao Rali das Camélias o pontapé de saída, numa organização do Clube Arte e Sport e que tinha por centro nevrálgico a vila de Sintra, consagrando o Austin Cooper S de Manuel Lopes Gião. Ao longo desses 40 anos de competição, 20 clubes, alguns dos quais já desaparecidos do desporto automóvel, como é o caso do Sport Lisboa e Benfica e do Sporting Clube de Portugal, levaram a efeito as mais de 500 provas que contaram, daí até hoje, para o Nacional da especialidade, consagrando um total de 98 pilotos, 118 navegadores e 22 marcas diferentes. O campeonato mais curto foi o de 1967 que contou apenas com seis provas, enquanto que o mais longo foi o de 1976, com 13 ralis.

Outros tempos

No início da década de 50, as provas de Ralis ganharam um novo significado e nomes como os de Fernando Stock, José Luís Abreu Valente e Horácio Macedo saltaram do anonimato para a ribalta, acompanhando a progressiva popularidade das provas de estrada. Mas, nos tempos em que os ralis eram ainda uma mistura de provas de velocidade, regularidade e perícia, talvez tenha sido Horácio Macedo quem mais se destacou com os seus três títulos (1957, 1961 e 1963). Recordou-nos esses tempos de forma nostálgica: Â«nessa época, faziam-se muitos amigos no ambiente das corridas e lutava-se com os outros concorrentes somente pelo prazer de ganhar e pelas taças, o que não acontece hoje, em que os ralis são feitos para as marcas vencerem e onde há muito dinheiro envolvido».

Tudo isso numa época em que à excepção do Ferrari 250 GT que Macedo guiou «quase todos os carros que corriam nesse tempo eram os do dia-a-dia». Mas tal como hoje também muitas provas não escapavam a polémicas. Prova disso é a forma curiosa e invulgar como Horácio Macedo terminou a sua carreira. O piloto entregou a sua licença desportiva depois de vencer o Rali Internacional do ACP, ser desclassificado devido à passagem antecipada num controlo de passagem e ser impedido de fazer a apelação à entidade internacional que supervisionava o desporto automóvel, quando outros pilotos que corriam em Mercedes e Alfa Romeo e que estavam nas mesmas circunstâncias, o puderam fazer.

Desportivismo era tónica dominante Mas mudaram-se os tempos e mudaram-se…os nomes dos pilotos. E na segunda parte da década de 60 quem mais deu nas vistas foi mesmo Américo Nunes que, apesar disso, não fez esquecer pilotos como César Torres, Manuel Gião ou Sarmento Rebelo. Para o piloto do Porsche 911, conhecido pela “bomba

verde” os quatro títulos alcançados (entre 1967 e 1970) «foram um excelente prémio, mas o que mais se destacava era a forma e o desportivismo que tinham os ralis naquela altura, bem como a camaradagem entre os pilotos», disse numa homenagem que a FPAK lhe fez há 11 anos, ao AutoSport.

Daí até aos à década de 1970 e 1980 o tempo passou… a correr, mas não apagou os desempenhos de Giovanni Salvi, Jorge Nascimento, Santinho Mendes, Joaquim Santos, Joaquim Moutinho, Carlos Bica, que juntos perfazem “qualquer coisa como 16 títulos e marcam a entrada em cena dos famosos Grupo B e das primeiras equipas totalmente profissionais e que passaram a contar com outra disponibilidade de meios!

Foi então, na década de 90 e nos primeiros anos do novo milénio, chegada a vez de pilotos como Fernando Peres, Adruzilo Lopes, Pedro Matos Chaves, Miguel Campos e Armindo Aráujo – já no advento dos Grupo A, WRC e Produção – inscreverem as páginas do que hoje é conhecido pelo “Nacional de Ralis” ou “Campeoanto de Portugal de Ralis”. Agora só falta preencher o nome dos campeões do amanhã…

PALMARÉS
1956 Fernando Stock
1957 Horácio Macedo
1958 José Luís Abreu Valente
1959 José Luís Abreu Valente
1960 José Manuel Pereira
1961 Horácio Macedo
1962 José Baptista Dos Santos
1963 Horácio Macedo
1964 Fernando Basílio Dos Santos
1965 César Torres
1966 Manuel Gião
1967 Américo Nunes
1968 Américo Nunes
1969 Não houve Campeão Absoluto
1973 Não houve Campeão Absoluto
1974 Não se realizou
1975 Manuel Inácio
1976 António Diegues
1977 Giovani Salvi
1978 Carlos Torres
1979 José Pedro Borges
1980 Santinho Mendes
1981 Santinho Mendes
1982 Joaquim Santos
1983 Joaquim Santos
1984 Joaquim Santos
1985 Joaquim Moutinho
1986 Joaquim Moutinho
1987 Inverno Amaral
1988 Carlos Bica
1989 Carlos Bica
1990 Carlos Bica
1991 Carlos Bica
1992 Joaquim Santos
1993 Jorge Bica
1994 Fernando Peres
1995 Fernando Peres
1996 Fernando Peres
1997 Adruzilo Lopes
1998 Adruzilo Lopes
1999 Pedro Matos Chaves
2000 Pedro Matos Chaves
2001 Adruzilo Lopes
2002 Miguel Campos
2003 Armindo Araújo
2004 Armindo Araújo
2005 Armindo Araújo
2006 Armindo Araújo
2007 Bruno Magalhães
2008 Bruno Magalhães
2009 Bruno Magalhães
2010 Bernardo Sousa
2011 Ricardo Moura
2012 Ricardo Moura
2013 Ricardo Moura
2014 Pedro Meireles
2015 José Pedro Fontes
2016 José Pedro Fontes
2017 Carlos Vieira
2018 Armindo Araújo

Número de títulos

Armindo Araújo 2003 2004 2005 2006 2018 5
Carlos Bica 1988 1989 1990 1991 4
Joaquim Santos 1982 1983 1984 1992 4
Adruzilo Lopes 1997 1998 2001 3
Bruno Magalhães 2007 2008 2009 3
Fernando Peres 1994 1995 1996 3
Horácio Macedo 1957 1961 1963 3
Ricardo Moura 2011 2012 2013 3
Américo Nunes 1967 1968 2
Joaquim Moutinho 1985 1986 2
José Luís Abreu Valente 1958 1959 2
José Pedro Fontes 2015 2016 2
Pedro Matos Chaves 1999 2000 2
Santinho Mendes 1980 1981 2
António Diegues 1976 1
Bernardo Sousa 2010 1
Carlos Torres 1978 1
Carlos Vieira 2017 1
César Torres 1965 1
Fernando Basílio Dos Santos 1964 1
Fernando Stock 1956 1
Giovani Salvi 1977 1
Inverno Amaral 1987 1
Jorge Bica 1993 1
José Baptista Dos Santos 1962 1
José Manuel Pereira 1960 1
José Pedro Borges 1979 1
Manuel Gião 1966 1
Manuel Inácio 1975 1
Miguel Campos 2002 1
Pedro Meireles 2014 1
Não houve Campeão Absoluto 1969 1973 1
Não se realizou 1974 1
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