Bernie Ecclestone: De vendedor de carros usados a estrela do desporto


Figura controversa, Bernie Ecclestone é também uma personagem incontornável da história da Fórmula 1 e por isso a sua destituição à frente da modalidade faz recordar algo mais do que os 40 anos que ocupou o cargo de ‘patrão’ da modalidade.

Para além de profissionalizar a disciplina máxima do desporto automóvel, Ecclestone fez crescer a modalidade a níveis que no final da década de 1960 dificilmente se imaginariam. A visão astuta de homem de negócios foi também o que valeu a Ecclestone muitos ‘ódios de estimação’. Mas foi também essa ambição que levou a F1 a ser globalmente conhecida e apetecível como desporto e como espetáculo. Mesmo quando assumiu os destinos de uma equipa como a Brabham Bernie era o protótipo de puro negociador. Percebia-se isso nos contratos com os patrocinadores da escuderia e também na forma como escolhia os pilotos. No entanto Ecclestone não estava na Fórmula 1 para fazer negócio e para fazer com que a sua fonte de receita fosse o mais cobiçada possível, pois era isso que podia gerar mais lucro.

Mas Bernie não se limitava ao negócio, também dizia o que pensava sobre outras questões, levando muitas vezes a afirmações que tinham impacto negativo ou positivo, sobretudo junto dos organizadores. Certo é que saia vencedor dos negócios que fazia. Já nas últimas quatro décadas Ecclestone expandiu o negócio da F1 para novos mercados com pouca tradição na modalidade, como a Hungria, China Turquia, Coreia do Sul, Índia, Rússia, Bahrain, Azerbeijão ou Abu Dhabi. Destinos que deram mais proveito aos seus cofres do que espetadores.

De piloto falhado a ‘manager astuto’

Nascido Bernard Charles Ecclestone em Suffolk em 1930, o agora ex-patrão da Fórmula 1 deixou a escola aos 16 anos, pouco depois da segunda guerra mundial ter terminado, perseguindo o seu grande interesse no motociclismo. Ecclestone tomou contacto com o mundo automóvel quando tinha somente 15 anos e fez um negócio com um carro em segunda mão no sul de Londres. Aos 21 já tinha o seu stand e estava a caminho de se tornar rico.

Quando tentou a sua sorte como piloto Bernie não foi particularmente feliz. Depois de uma razoável carreira de amador na Formula 3 500 cc uma tentativa falhada de se qualificar para o Grande Prémio do Mónaco de 1958 aos comandos de um Connaught fê-lo perceber que o seu talento estava mesmo noutra área. Desaparecido o sonho de piloto rapidamente Ecclestone ‘mudou a agulha’ para gestor da carreira de pilotos, desaparecendo no final de 1959 quando Stuart Lewis-Evans, alguém do qual Bernie era particularmente próximo, faleceu das queimaduras sofridas num acidente que teve no GP de Marrocos. Bernie Ecclestone só reapareceu no ‘paddock’ uma década depois, aparentemente muito rico, ao ponto de ser apontado como possível envolvido num famoso grande assalto a um banco no Reino Unido.

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A fase Brabham

Tendo gerido o seu amigo Jochen Rindt – que viria a sagrar-se campeão do mundo a título póstumo depois do terrível acidente de Monza em 1970 – Ecclestone resolveu desta vez não abandonar a F1. Dois anos depois Bernie comprou a Brabham, um negócio que teria um impacto decisivo na sua carreira à frente dos destinos da modalidade. Isto sem perder de vista o êxito da sua equipa de corridas.

Essa ambição levou-o a ir buscar um sul-africano talentoso, chamado Gordon Murray, para chefe da equipa de ‘design’, promovendo o seu amigo Hebie Blash da sua estrutura de F2. Os dois ficaram juntos nos 15 anos seguintes e, logo em 1974, os resultados fizeram eco da bondade e capacidade dessa dupla: Carlos Reutemann voltou a trazer o nome Brabham para o lugar mais alto dos pódios. E, em 1975, a Brabham foi vice-campeã nos Construtores. Mas os anos de ouro da era Ecclestone aconteceram a partir de 1978 e, mais tarde, com o advento dos poderosos motores turbo – a Brabham usava os BMW, que eram dos mais potentes, com mais de 1.100 cv em condições de qualificação.

Com um brasileiro tão desbocado como corajoso ao volante, de seu nome Nelson Piquet, entre 1980 e 1985 a Brabham venceu 13 GP de F1 (mais dois com Riccardo Patrese), permitindo a Piquet conquistar dois títulos de Campeão do Mundo de Pilotos, em 1981 e 1983.

Todavia, a saída de Piquet em 1985, por questões relacionadas com salários (o iloto queria ganhar valores que Ecclestone considerou inaceitáveis…), a morte de Elio de Angelis, num teste privado, em 1986, no Le Castellet, bem como a decisão da BMW em deixar a Brabham, no final a temporada de 1987, precipitou o fim da equipa.

Os direitos televisivos

Habituado a negociar Bernie em 1977 revelava já ter pouca dificuldade em persuadir os concorrentes dos benefícios de se associarem numa organização que tivesse significado como marca, surgindo um ano depois a Associação de Equipas da F1 (a FOCA). Estava criada a fundação para aquilo que mais tarde viria a ser a empresa que detinha os direitos comerciais da disciplina, que os comprou à FOCA a meio da década de 1990. Aos poucos Bernie Ecclestone foi exercendo o seu magistério de influência nas transmissões de televisão, persuadindo os canais a pagarem um contrato anual em vez de corridas em separado.

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Com Max Mosley à frente da FIA, em 1993 conseguiu, dois anos depois, assinar um contrato que dava a Ecclestone os direitos comerciais numa base de 15 anos. Que em 2000 Bernie tratou de transformar em mais… 110 anos. Com parte deste negócio Ecclestone percebeu que precisava de um ‘pacote’ mais profissional e a F1 não seria nada sem isso. Os horários dos fins-de-semana variavam, tal como a qualidade e a quantidade de espetadores (a Ferrari era famosa por virar as costas ao ‘boss’, porque Enzo Ferrari era muito desconfiado das intenções do britânico.

O olho de Bernie para o detalhe e para a perfeição – a Brabham foi das primeiras equipas a ter os seus mecânicos em uniforme idêntico, codificado para cada dia – levou a padronizar os horários dos grandes prémios e a entradas pagas garantidas. Os padrões e a modalidade subiram juntamente com a exposição e os dividendos financeiros, com Ecclestone a tirar o máximo partido deles. Os donos das equipas não se importavam com a gestão desde que gozassem de saúde financeira.

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Verniz estalado

A ‘paisagem’ da Fórmula 1 mudou dramaticamente a meio da década de 1990, quando através de um acordo Bernie Ecclestone se associou a Max Mosley, que entretanto se tornou presidente da FIA. A empresa de Ecclestone tornou-se dona dos direitos da F1 às custas das equipas e algumas delas, como a Williams ou a McLaren, estavam longe de estar satisfeitas. Mas era já demasiado tarde para fazerem o que quer que fosse. O padrão de Bernie se tornar bilionário foi ainda levemente incrementado pelos anos 2000, com um acordo que lhe permitia ter o controlo total comercial da F1 por cerca de 360 milhões de dólares. E isso despoletou uma série de acordos de aquisição que teve a sua conclusão em 2006, com a totalidade do desporto a acabar nas mãos da CVC Partners, da qual Ecclestone passou a ser o chefe executivo.

A atitude de monopólio e a forma de atuar de Ecclestone levou a Comissão Europeia a iniciar uma investigação à F1 que concluiu existir um conflito de interesses entre a empresa detentora dos direitos e o poder legislativo da modalidade. Apesar de tudo, enquanto Mosley esteve à frente da FIA pouco ou nada mudou, com Bernie a manter o poder comercial e Max a ser o seu ‘braço legislativo. E, é claro, Ecclestone beneficiou bastante com esta situação. Bernie controlava tudo sozinho, mantendo os acionistas satisfeitos, mas no processo deixava de lado a paixão pela F1 e perdia de vista vários aspetos do espetáculo. Mas em em última análise, a venda de 47,2 % das acções da F1 em 2006 por parte do banco BayernLB à CVC – à qual Ecclestone estava vinculado – levou a um declínio e a recente compra da modalidade por parte da Liberty Media.

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Jogar com os ‘fees’

Bernie Ecclestone sempre procurou fazer as coisas muito à sua maneira, tratando ele praticamente de tudo, ajudado apenas por um ou uma assistentem que se encarrega de boa parte das comunicações, feitas por fax antes do advento da internet. O até agora ‘patrão’ da F1 passou a maior parte do seu tempo concentrado na negociação com os organizadores dos diversos grande prémios, tratando das renovações de contratos, recebendo propostas para novos eventos.

Caracterizado por falar pouco e só quando lhe interessava, Bernie sabia trabalhar um potencial destino para o campeonato e perceber desde logo propostas inviáveis com as quais não perdia muito tempo.

Mas aquilo de que nunca abdicou foi pedir mais, cada vez mais pelos ‘fees’ – a ‘jóia’ que os promotores/organizadores – têm de pagar ao detentor da F1 para poderem incluir o seu grande prémio no campeonato do mundo. Valores por vezes exorbitantes para receber uma corrida bem distante das bases das equipas na Europa.

Ecclestone mudou o paradigma de improvisação em que viveu a modalidade nos seus primeiros 25 anos de vida, e depois de vencer uma dura batalha com a FIA e Jean-Marie Balestre, em 1981 começou a ter um poder negocial com os organizadores que nunca ninguém na F1 tinha tido antes.

Passou pouco tempo até que o campeonato passasse de pouco mais de 15 corridas – quase todas elas na Europa – para duas dezenas e a uma grande parte delas fora do Velho Continente. Sem se importar muito com o afastamento dos fãs tradicionais da modalidade, Bernie foi de encontro de países que apenas desejavam promover o turismo à custa de uma F1 cada vez mais mediatizada pela televisão. Assim se percebe que pagando mais de 40 milhões de euros por ano a Coreia do Sul tivesse o seu grande prémio, do qual depois se desinteressou outros se lhe seguissem, como o Bahrain, a China e Singapura. E quando outras provas mais tradicionais fora da Europa não queriam pagar tanto – como o Brasil, o Canadá, o Japão ou a Austrália – Bernie Ecclestone recorria à habitual chantagem. Mesmo quando sucederam tumultos em Manama (capital do Bahrain) isso não incomodou Ecclestone, dando ideia que se um ditador construísse um circuito nos arredores da cidade a partir de onde governa também poderia ter o seu grande prémio, desde que pagasse 35 milhões de euros anuais ao ‘patrão’ da F1. Só o Mónaco ficava fora deste espírito mercantilista do ‘patrão’ da F1, por considerar que a modalidade precisa mais da imagem do principado do que este precisa da modalidade.

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Ideias peregrinas

O faro para o negócio de Bernie Ecclestone era proporcional à sua excentricidade mental, traduzida nas ideias mais loucas que chegou a verbalizar.

Já no final da década de 1980, quando a McLaren dominava a disciplina com Ayrton Senna e Alain Prost, que Bernie surgiu com a sua primeira ideia louca. Fazer com que os carros da equipa de Ron Dennis fizessem um ‘pit-stop’ extra. No raciocínio do ‘boss’ da F1 se um piloto ganhasse um grande prémio na prova seguinte teria de fazer uma paragem suplementar nas boxes. E se se vencesse duas corridas seguidas então faria dois ‘pit-stops’ na terceira, e assim sucessivamente.

Como é óbvio a ideia não foi por diante mas o ‘Grande Circo’ percebeu de que tipo de ‘tiradas’ Bernie Eccelstone era capaz, nem que fosse para garantir paragonas na imprensa.

Só que o ‘patrão’ da F1 não se importava e surgia com mais ideias inacreditáveis, como aquele em que, através de um sorteio, se poderia colocar um campeão do mundo a correr no monolugar mais competitivo e o ‘titular’ desse carro a guiar o ‘lanterna vermelha’ do pelotão.

Outros projetos de Ecclestone faziam mais sentido, como a adoção de um motor alternativo, quase monomarca, mas mais barato e acessível às equipas com menor aquisitivo. Mas como isto poderia ameaçar o carácter elitista da F1 e também o interesse dos grandes construtores na disciplina o Conselho Mundial da FIA tratou de anular a ideia.

Foi em 2010 que o ‘patrão’ da F1 teve outra das suas ideias loucas. A falta de ação em algumas corridas levou a sugerir a ideia de atalhos à imagem do que sucede no Rallycross com as ‘joker lap’ mas em vez de se perder tempo ganhava-se, pois cada piloto ‘cortaria caminho’ até cinco vezes em cada grande prémio. Uma coisa muito bizarra que obviamente as equipas e a FIA não levaram a sério.

Inspirado pelo ténis Bernie também penso numa espécie de Grand Slam da F1. Onde provas como os grandes prémios mais históricos da modalidade, como o Mónaco, Inglaterra e Itália garantiriam mais pontos que os restantes. Em boa verdade esta ideia nem sequer foi discutida. Foi mais um assunto para que os ‘media’ falasse mais de si e da Fórmula 1. Isto apesar de ter havido uma prova que teve uma pontuação a dobrar; o Grande Prémio do Abu Dhabi de 2014. Mas foi uma solução rapidamente abandonada pois não foi do agrado geral.

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E mais ideias peregrinas

Posteriormente, no começo do ano passado, Bernie apresentou junto do Grupo de Estratégia da F1 a sugestão de realizar corridas de classificação aos sábados para definir a grelha de partida do grande prémio propriamente dito. Algumas coisas que disciplinas como Blancpain Sprint Series ou a GP2 já faziam. Isto para já não falar da pontuação para a ‘pole-position’, que a americana IndyCar já adota há anos. Claro que como sucedeu nos episódios anteriores, Ecclestone não teve sorte, pois todos estes projetos foram vetados pelo Grupo de Estratégia, formado pela FIA, FOM e as principais equipas.

Passou também pela cabeça de Ecclestone a ideia de uma modalidade feminina, argumentando a sua preocupação por não ver uma única mulher chegar a competir na F1 – quando compreensivelmente aquilo que pretendia era faturar mais, como o próprio chegou a admitir. O projeto era ter uma grelha em que, por exemplo, Danica Patrick estivesse aos comandos de um Ferrari, Susie Wolff num Mercedes, Simona de Silvestro num Renaul, Bia Figueiredo num Sauber, Carmen Jorda num Force India, Pippa Mann num Haas ou Beitske Visser num Toro Rosso.

Um conceito que ainda suscitou algum debate, lembrando que Lella Lombardi foi, há mais de 40 anos, a última mulher a competir em corrida num Grande Prémio de F1 – não falamos obviamente de treinos, porque Giovanna Amati nunca se qualificou em 1992, Susie Wollf e Carmen Jordá participaram apenas em treinos livres em 2014 e 2016.

No final de 2014, na perspetiva de ver a grelha reduzida a 18 monolugares e a perda iminente da Marussia e da Caterham, surgiu outra ideia de Bernie Ecclestone que falhou. Pegar em carros desatualizados da GP2 com motores otimizados que engrossassem o ‘grid’ da F1. Uma espécie de Super GP2. Esta sugestão não foi por diante por várias razões. A primeira é que as equipas do meio do pelotão a recusaram, sendo que Stephen Fitzparick adquiriu a Marussia e lhe chamou Manor, que acabaria por fechar no mês passado.

Depois a chegada da Haas na época passada permitiu que a grelha voltasse a subir para 22 carros, sendo que este ano é de apenas 20. Claro que isto trouxe à discussão a possibilidade das equipas da frente terem três carros.

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São Pedro e medalhas

O espírito imaginativo de Bernie Ecclestone levou-o sempre muito longe. E a realidade inspirava-o continuamente. É o caso das corridas à chuva. Porque não criar mais emoção fazendo encharcar uma pista. Isso veio-lhe à ideia em 2011. Alguns grandes prémios ficaram célebres pelo caos em que o dilúvio as transformou, baralhando por completo a ordem estabelecida, às vezes ao ponto de obrigar ao cancelamento ou adiamento das mesmas.

Bernie achou que isso era o ideal para poder alterar corridas que pareciam processionais sem ultrapassagens, e antão porque não tentar o recurso que a Pirelli usa quando quer testar pneus de chuva e molha a pista.

Mas se essa opção não chega, porque não inspirar-se nos Jogos Olímpicos, como fez Ecclestone com os de Pequim ao surgir em 2008 com a ideia de abolir o sistema de pontos distribuir medalhas aos três primeiros classificados de cada grande prémio, ficando os pontos apenas a contar para o campeonato de construtores.

O campeão seria definido pelo número de medalhas de ouro conquistadas, como se fosse um medalheiro do sistema olímpico, valorizando mais as vitórias do que a regularidade de um piloto ao longo da época. Mais uma vez o ‘patrão’ da F1 foi criticado e causou muita polémica, e a sugestão ficou por aí… apenas uma sugestão.,

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A contas com a justiça

A ganância tem sido prejudicial à Fórmula 1 a vários níveis, pois se Bernie Ecclestone colocou a modalidade numa dimensão que não se imaginaria na década de 1960, também procurou ir além dos limites para ganhar dinheiro com ela, contribuindo para alguns dos capítulos mais negros da sua história a esse nível.

O exemplo mais concreto é o caso de suborno que circulou pela justiça alemã em 2014 que envolveu o F1 ‘supremo’ e colocou em julgamento no tribunal em Munique. Uma atração para certos ‘media’, empolgados com a perspetiva de Ecclestone poder ser preso.

Provou-se que Ecclestone subornou mesmo um banqueiro alemão, Gerhard Gribkowsky, do Bayern LB, para garantir que ações que tinha da F1 (47,2%) seriam adquiridas por uma empresa que ele favorecia (a CVC), de modo a poder continuar a garantir o controlo da modalidade.

Na altura Gribkowsky não disse que ao Bayern LB que fora pago e os procuradores acreditaram que o dinheiro lhe tinha sido dado para o acordo para vender as ações do banco na F1 à CVC em 2006. A empresa estava comprometida em manter Ecclestone como chefe executivo, o que só deu mais força à acusação de que Bernie era o comprador preferido para as ações em acusa.

O ‘patrão’ da F1 terá pago ao banqueiro germânico 33 milhões de euros, e apesar de inicialmente ter negado os factos eles acabaram por ser provados.

Ecclestone evitou a pena de 10 anos de cadeia ao fazer um acordo com as autoridades alemãs ao pagar-lhe 100 milhões de dólares. Algo que é previsto na lei germânica.

Bernie nem hesitou. Afinal na lista da Forbes figura como o 12.º bilionário mais rico do Reino Unido, mas o acordo figura na história legal alemã como o que envolveu maior soma de dinheiro.

Mais tarde o advogado de Bernie Ecclestone revelou que se não tivesse travado o julgamento na Alemanha os problemas para a F1 seriam ainda maiores.

Aliás, o presidente da CVC, Donald McKenzie, disse na altura no tribunal que se tivesse sido condenado Ecclestone seria demitido como ‘patrão’ da F1.

Desconforto na vida privada

A passagem pela justiça germânica terá sido uma das piores experiências de Bernie Ecclestone, pois nunca gostou de mexericos da vida pessoal. E isso também foi válido noutros episódios que marcaram a sua vida recente, nomeadamente a agressão de que foi vítima por parte de alguém que assaltou a sua casa ou os divórcios das suas anteriores muBernie-Ecclestone-006lheres. E no tribunal de Munique não havia como escapar aos ‘holofotes’ dos ‘media’, a situação era bem diferente – e podia ter implicações ao nível da empresa que geria os direitos da F1 – relativamente aos outros casos era diferente, manifestando abertamente a sua aversão pela exposição pública de detalhes da sua vida privada.

Daí que se tenha mostrado desconfortável quando em tribunal foi revelado que Ecclestone tinha pago à sua ex-mulher Slavica Radic cerca de 70 milhões de euros por ano desde que se divorciaram em Março de 2009.

Como a croata não tem fortuna própria e Bernie é bilionário esta revelação foi uma surpresa, mas que se explica na ‘teia’ em que tornaram muitos dos negócios em que se envolveu. Pelos vistos o dinheiro que Slavica tinha transferido para a sua conta era o que o Bambino Trust recebia anualmente dos lucros gerados pela Formula One,, a empresa que detém os direitos comerciais da Fórmula 1.

Aquele fundo, estabelecido em favor da croata e das duas filhas do casal, Tamara e Petra, detinha 12,5 % do capital da FOWC Ltd e receboa dividendos anuais a partir dos lucros gerados. Como em média os direitos comerciais da Fórmula 1 rendem anualmente 1,2 mil milhões de euros e metade desse dinheiro vai para as equipas, os pouco mais de 70 milhões de Euros que Ecclestone recebia da sua ex-mulher correspondia ao montante que o The Bambino Trust recebia anualmente, muito distantes de uma pensão de alimentos milionária.

No fundo tratou-se apenas de engenharia financeira, fazendo regressar a Ecclestone o dinheiro que gerou ao longo de cada ano pelo seu trabalho à frente da enorme organização que dirigia, evitando, uma vez mais, pagar impostos elevados.

Traços de personalidade

As pessoas que conviveram com Bernie Ecclestone de perto são as que melhor o conhecem, e por isso descrevem melhor os traços de personalidade daquele que durante quatro décadas liderou os destinos da Fórmula 1. O famoso comentador britânico de Fórmula 1, Murray Walker descreve Ecclestone como um negociador de carros, ainda que não o conseguisse imaginar envolvido em crimes e muito menos preso como chegou a arriscar quando foi julgado na Alemanha por causa do caso de suborno a Gerhard Gribkowsky.

Mas se Walker nem sequer queria imaginar a F1 sem Bernie Ecclestone, como agora sucede, defendendo que seria preferível ter a modalidade dirigida por um ‘ditador capaz’.

Para se perceber melhor a personagem não há como uma frase do próprio para definir o seu carácter negociador: “Raramente compro alguma coisa sem obter um desconto”.

Também convém dizer que Ecclestone raramente compra algo que não esteja em excelentes condições, já que a organização e o aspeto é para si um fator decisivo em qualquer negócio. Seja acções de empresas, objetos decorativos ou obras de arte. Este gosto por ter tudo a funcionar e em condições serve como uma luva num desporto como a F1. Uma espécie de forma de controlar que Bernie adotou nos 40 anos que esteve à frente dos destinos da modalidade.

Já no início dos anos de 1970 o aspeto de Ecclestone dizia tudo, como recorda Tony Dodgins, um veterano jornalista, que destaca a preocupação como detalhe. Calças de marca, cabelo estilo Beatles mas bem cuidado.

E claro que isso se transmitiu à equipa que adquiriu nessa altura, a Brabham. Os camiões eram estacionados impecavelmente no ‘paddock’, estavam soberbamente bem decorados, o pessoal da equipa tinha uniformes para todas as ocasiões. Até mais tarde, quando já era o ‘patrão’ da F1, tudo tinha de ficar impecável quando fosse tiradas imagens do ar do próprio ‘paddock’.

Mas se Bernie Ecclestone foi um homem de negócios implacável, também revelou sempre um sentido de humor áspero e até misógino. Fica na retina a frase: “As mulheres deviam todas vestir-se de branco, como se fossem eletrodomésticos”.

Alguns amigos dizem que esta e outras frases são tiradas do contexto, e outras que se trata apenas de uma habilidade para fazer as pessoas rirem com humor negro.

Mesmo Michael Blash, um mecânico dos tempos da Brabham, afirma que Ecclestone pode por vezes ser rude, mas fá-lo com um sorriso, mostrando a sua esperteza, típica de um vendedor de automóveis.

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Admiração por Schumi e Vettel

Numa das raras entrevistas que concedeu – no site oficial da F1 – Bernie Ecclestone falou de alguns dos pilotos que marcaram a modalidade nos últimos 20 anos e sobre aquilo que gostaria de ver na disciplina no futuro. O primeiro nome que veio ‘à baila’ foi o de Michael Schumacher. Um piloto que Bernie considera totalmente apaixonado pelo que fazia, ao ponto do dinheiro que ganhava na F1 ser secundário, pois enquanto competiu divertia-se a fazê-lo, e diz que ainda todos vão sentir falta alemão.

Ecclestone afirma mesmo que preferia que Schumi se tivesse retirado enquanto era campeão do que fazer depois, pois os fãs mais recentes da F1 irão recordá-lo por aquilo que ele fez nos últimos anos e não pelos sete títulos que conquistou. Para Bernie o que se passou com Schumacher acontece muitas vezes noutros desportos, onde é sempre importante, mas difícil, saber quando se deve parar, que é quando não se é capaz dos mesmos feitos anteriores e ‘passar a bola’ a outro. E esperava aplicar isso a si próprio.

Depois Ecclestone destacou Sebastian Vettel, um piloto que foi campeão do mundo muito jovem, e que não tem falta de confiança e com ela vem o carisma. Embora a comparação com antigos campeões como Ayrton Senna, Jim Clark ou Jochen Rindt seja excessiva, pois os tempos são outros, e há facilidades que não existiam na altura.

Além disso o ex-patrão da F1 refere que Vettel pode não ter a espontaneidade que alguns consideram grave, mas que isso é completamente irrelevante e faz parte de uma cultura atual, onde não é ‘permitido’ a um piloto ser uma personalidade como era nos de 1960 ou 1970.

Já relativamente ao facto do atual piloto da Ferrari poder vir a bater Schumacher em número de títulos Ecclestone achou pouco provável disso acontecer, sobretudo porque no tempo de Michael a equipa de Maranello fazia um trabalho melhor do que qualquer outra equipa, o que não acontece atualmente.

O facto de todos os anos chegarem jovens promissores à F1 pode ser entendido como um fator que garante muito futuro à modalidade, mas apesar dos resultados que possam ter obtido em categorias de promoção Bernie Ecclestone não tem dúvidas que só se percebe se são excecionais quando já estiverem sentados num carro competitivos.

Olhando o futuro

Relativamente ao futuro da Fórmula 1 Bernie Ecclestone sempre teve uma visão muito otimista, muito motivada pelo orgulho do trabalho feito. Mas também percebeu que a realidade está constantemente a mudar, e que era apelativo há umas décadas pode já não o ser atualmente. Embora nunca se tenha mostrado muito ciente de que no mundo atual as redes sociais mandam no sucesso e no marketing e a F1 não se pode dissociar disso mesmo, Ecclestone preferiu nos últimos anos concentrar-se mais no resultado económico imediato dos ‘fees’ pagos pelos promotores de novos grandes prémios em mercados emergentes, como a Rússia, a China ou, mais recentemente, o Azerbaijão.

Bernie acha (ou pelo menos achava) que a Europa foi perdendo provas no calendário da modalidade porque grande parte dos organizadores/promotores são (ou foram) incompetentes, e que outros, como os de Austin (EUA) ou México é que fazem as coisas bem. Ecclestone disse que é adepto da F1, e que provavelmente aquilo em que pode estar errado é ter visto sempre a modalidade como o seu bebé, admitindo que mais cedo ou mais tarde teria que encontrar um ‘babysitter’. Encontrou, chama-se Liberty Media? Um dia far-se-á um balanço….


Bernie Ecclestone



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